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A Importância do Ego


          Outra palavra que é erroneamente interpretada é essa: ego. Se a vida fosse uma poesia, eu seria o "eu-lírico", e não há nada de errado com isso. O protagonista da minha história, o centro de rotação de minhas vontades, e esse termo é incrivelmente mal colocado, apontado como uma faceta egoísta do ser humano. Mas a verdade sobre a significância do eu é além do que pode ser explicado pelo dicionário.
          E é aí onde reside a verdadeira identidade: não nas oportunidades de atos heroicos ou nas margens de hesitações deslumbradas, mas no lento desdobramento do tempo, o esfriar de diversas paixões.
          Poderia eu me considerar um artista, um mestre em minha área escolhida, representar a mim mesmo em uma tela, uma parede, ou na arquitetura de um conjunto de prédios, como grandes homens acabam sendo homenageados, porém, seria esta minha síntese? Uma fração de tempo, se considerado toda minha vida, será meu legado? Que outra pintura Da Vinci pintou, se não Monalisa? E por quê o tamanho de sua tela hoje é incrivelmente divergente de seu tamanho original? Eu não quero, um dia, que uma faceta minha seja apontada como minha epifania final, minha coroa de flores detalhadamente ordenada junto a meu caixão.
          Talvez esse seja meu maior medo: ser lembrado por quem eu me deixei ser visto por alguns minutos. Que grande esforço deve ser empregar toda célula de seu corpo em ser uma ideia, em ter a imagem reconhecida por uma única obra. Essa é, creio, a benção e maldição de ser um bom ator. Um ótimo ator, talvez, consiga se camuflar melhor, mas o regular, o incansável "ótima comédia para a família" ou "indicado ao Oscar, porém nunca ganhou", este ficará fadado ao próprio talento inerte, à calmaria de um mar sem tempestade.
          Notável. Você não é notável. Em suas palavras, em suas ações, em suas compras de roupa íntima. Aquela frase "just another brick on the wall" te resume bem, e não é em nada uma declaração de revolta, mas apenas uma constatação revoltante.
          Alguns agradecem por esta infindável locação neutra na vida, seja na carreira, no amor, na intelectualidade; a maioria só quer ser passável. Ficar na média. Ter aquele alívio de saber que mais ninguém pedirá nada de você, porque, vamos ser francos, ninguém espera nada de você. Nem você mesmo. Se uma oportunidade aparece e você a agarra, você não foi sortudo, não, você foi incrivelmente habilidoso e esforçado, e com toda certeza, você fez por merecer cada barreira vencida. No trabalho, você exerce a mesma função tediosa faz três anos. Não é ambicioso o suficiente para ascender, mas também exerce o cargo bem o suficiente para que ninguém reclame. Estabilidade. Palavra-chave da vida, você pensa. Este é quem você é. Você se permitiu chegar aqui, porque esse é o limite, o fim da linha. Morará no mesmo bairro, o mesmo bar toda sexta, a mesma reclamação do trânsito, de segunda a sexta, às 18h. Essa é a explicação para tudo, na verdade: reclamação. Não quer arriscar, evita reclamar do trabalho; não quer algo sério no momento, evita conversar; não quer pensar demais, evita ler. Ao final de tudo isso, eu penso: mas que vida de merda, hein?
          Mais uma vez, pensamentos que não deveriam ser nostálgicos me atingem, e me encontro neste emaranhado de assuntos antes não relacionados. Eu, considerando as coisas que me rodeiam, mapeio minhas vontades e desejos e enxergo um quadro escondido. Essa é a sina que não escolhi, mas que me foi incumbida, como uma vocação. Infelizmente, não é algo prático, é mais uma daquelas pinturas abstratas que significa uma coisa diferente para cada pessoa que a vê. Então, é possível se identificar com uma pessoa descrita, ou criticamente concordar, simplesmente por também se incomodar com algum ato alheio e querer intimamente se intrometer e consertar. Acho que existe um tipo específico de pessoa que pensa assim, do mesmo jeito, há o tipo que não se importa, e prefere ficar na dela.
          Mas, no fim das contas, a principal diferença entre pessoas não é o que escondem dentro de si, mas sim o que permitem ser visto, ser dito, ser feito por elas. Esse aspecto me afeta de modo absoluto, em pensar que eu também ajo assim, e talvez por motivos nem tão diferentes.
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