randon

Turismo Sexual em Natal



Turismo Sexual em Natal
As Rocas e a Copa

No Brasil, o exercício da prostituição consentida, não é considerado legalmente como um crime. O crime, previsto em legislação penal, se constitui apenas quando há a indução e a exploração através da prostituição, a manutenção de estabelecimentos em que ocorra exploração sexual e o tráfico de pessoas para os fins da exploração sexual. Ou seja: Sem exploração está tudo ok.
A prostituição é uma atividade reconhecida como profissão pelo Ministério do Trabalho e Emprego, porém ainda não é regulamentada, o que abre um vácuo sobre os direitos e deveres dos praticantes. É pela falta destes direitos que lhes são negados, que muitas pessoas em situações precárias não largam o ramo e por necessidades se deixam estar em um ambiente de violência e exploração.
            Em um levantamento feito em 2013 pelos jornalistas Kaio Diniz, Vinícius Júnior e Tiago Costa, mostra que 48,8% da prostituição no Brasil é motivada pelo uso de entorpecentes, em especial o crack, e que muitas vezes o programa é realizado no intuito apenas de pagar uma ou duas pedras da droga. No Nordeste em especial, das mulheres que trabalham com prostituição, são 52% que o fazem com a única finalidade de comprar crack, o que demonstra como o aumento do tráfico de drogas em uma região pode afetar no surgimento de mais pontos de prostituição.
Um índice alarmante da pesquisa é a quantidade de adolescentes envolvidos com a prostituição, são principalmente garotas entre 12 e 18 anos que representam 40% do número de prostitutas no Brasil. No final de 2010, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) publicou um estudo no qual identificou 1.820 pontos vulneráveis à exploração sexual infanto-juvenil nas rodovias brasileiras. Desses, a maioria –545 ao todo– estava no Nordeste.
            Em Natal existe a Associação dos Profissionais do Sexo e Congêneres do Rio Grande do Norte criada por Marinalva Ferreira falecida aos 46 anos por um acidente cardiovascular (AVC). Marinalva foi prostituta por 30 anos, começou aos nove anos de idade como consequência de uma infância já carente como pedinte nas ruas de Natal. Uma vez percebendo que ganharia mais dinheiro se prostituindo do que pedindo nas ruas, entrou para a profissão de vez.
A Associação já conta com mais de 1.000 associados que trabalham em parceria com as secretarias municipais e estaduais de Saúde, que fornecem material como preservativos e panfletos educativos às profissionais. A associação já conseguiu 31 mil preservativos garantidos, médicos, realização de exames, advogados, escolas, e pagam INSS para garantir aposentadoria.
São três os principais locais em que podemos encontrar profissionais do sexo, aqui na cidade: O bairro das Rocas na região próxima ao porto, um bairro historicamente famoso pelos seus cabarés, a praia dos artistas que é considerada em avaliação por mais de 200 pessoas no site TripAdvisor como “Praia com muita prostituição”, e o bairro de Ponta Negra onde encontramos jovens, sejam homens ou mulheres, que inclusive mesmo tendo boa qualidade de vida, se prostituem para manter o alto estilo de vida.
Uma vez perante a segunda guerra mundial no século passado, o bairro das Rocas foi palco de intenso movimento sexual devido a chegada dos estrangeiros, ditos “Gringos” na cidade. Já neste século com a copa do mundo e a chegada novamente de estrangeiros em massa na cidade, intensificou-se a prostituição novamente.
Mas por quê a prostituição se intensificou com a chegada dos estrangeiros na copa? Quais as principais causas da prostituição em Natal e como funcionam? Qual o papel do poder público e o que fizeram como medida durante a copa?
O CANTO FALSO DO SEREIO
            Muitas mulheres se prostituem apenas com estrangeiros, questão de gosto ou de bom senso? Digamos que às vezes os dois e às vezes nenhum. Quando se trata de uma acompanhante de Ponta Negra, a preferência por um cliente estrangeiro se dá através de um raciocínio rápido, como são pagas por uma moeda de câmbio negociável alto, faz-se com que seus principais clientes sejam gringos, ou seja, clientes que pagam bem. 
Um fenômeno interessante que aconteceu na copa foi o surgimento de mais prostitutas e não a intensificação do trabalho nos pontos já conhecidos. Isso é explicado pelo fato primário de que a indicação do emprego faz a vaga. Muitas entram no esquema pois conhecem alguém que trabalha no ramo e que lhes mostra como é rentável e que ela ainda pode acabar indo para o exterior morar com o cliente e tornar-se sua mulher. Essas mulheres que vieram trabalhar durante a copa eram não somente de Natal, como também de outras cidades ou até de outros estados. Elas vem para aproveitar o mercado, a boa clientela e por vezes, por mais absurdo que possa parecer, encontrar no meio deste cenário o amor.
O que acontece é que o turismo sexual, não é procurado somente por homens que vieram curtir as férias e acabam por se divertir demais inclusive com as mulheres. Este tipo de turismo tem uma demanda de clientela específica, são homens que viajam a outros países exclusivamente para este fim. Não são raras as situações em que levam a acompanhante do Brasil para o seu país de origem, com a proposta de casar-se com elas e ser seu homem, mas chegando lá estas mulheres são tratadas como empregadas e escravas sexuais ou mesmo agenciadas num esquema sujo de prostituição onde ficam sem voz por anos até conseguirem escapar ou por vezes, morrer. Não são poucos os relatos de mulheres arrependidas de terem se deixado enganar pelo diga-se canto falso de sereios. E ainda assim é grande o número de mulheres que se arriscaria.
Durante a copa do mundo 2014 em Natal –que foi uma das cidades sede dos jogos- com a promessa de dinheiro fácil, muitas mulheres, homens e inclusive adolescentes vieram para a “batalha” como eles chamam.
SEXO, DROGAS E ROCK’N COPA OU O ESQUEMA DE FORRÓ, SEXO E DROGAS POR 30 REAIS
            Foi manchete de jornais de todo o país, as prostitutas não só estavam aprendendo a falar inglês para suprir a demanda do mercado, como também ofereciam pacotes especiais. O famoso pacote dos trinta reais foi o assunto que mais ecoou sobre prostituição durante a copa.
            Se já não bastassem os escândalos de exploração infantil e adulta sexualmente, para a massa de operários durante a construção dos estádios, onde o sexo era a preços muitas vezes de dez reais abaixo, durante a copa mais comum do que “Olha o coco geladinho, a um real!” era o “Olha o corpo peladinho, a dez real!”.
            Para as mulheres das Rocas, já estava difícil viver do ofício que ano após anos o vem levando as casas a fecharem devido ao baixo movimento causado pela má propaganda boca a boca que alerta sobre o bairro ser perigoso e ter muitas drogas. Durante a copa um gringo que por lá se aventurou foi assaltado de tal forma bárbara que o largaram na rua só de cueca. E se estava difícil para os gringos, estava pior para as prostitutas que não escaparam das ondas de assaltos. Era conseguindo dez reais para fazer um programa e sendo roubadas quase que imediatamente, como relatou uma delas para esta reportagem.
            Enquanto uma delas contava com glória os feitios das colegas, dizendo que apareceu tantos gringos pagando bem, que as colegas podiam comprar seus produtos que eram roupas, maquiagens e perfumaria e que foi bom pra todo mundo, outra por sua vez disse que foi horrível, o pior movimento que tiveram, os gringos não estavam indo, só as pessoas de sempre e que elas ainda foram diversas vezes assaltadas.
            O mesmo não pode-se dizer sobre a Praia dos Artistas e de Ponta Negra, onde o movimento foi tão intenso, que muitos fizeram fortuna até o Carnatal. As classes neste ramo normalmente são as seguintes: As prostitutas, que são mais baratas cerca de 35 a 80 reais por programa. As acompanhantes, consideradas prostitutas de luxo que por hora chegam a cobrar de 300 a 500 reais. Os travestis onde alguns grupos chegam a ser tão violentos que assustam a freguesia e como uma quadrilha organizada por vezes enganam seus clientes e os assaltam.  Os massagistas, prostitutos de saunas gays. E os garotos de programa, jovens, fortes, bonitos, querendo algumas clientes fixas para sustentarem seu estilo de vida.

O PODER PÚBLICO QUE ASSIM COMO A JUSTIÇA SEGUE COM OLHOS VENDADOS

            Houve sim campanha com distribuição de panfletos, outdoor, comerciais na televisão desincentivando a prostituição e condenando a exploração. Também houve distribuição de camisinhas à população em geral como medida para se evitar a proliferação de doenças. Mas não foi uma forte campanha diante do problema do turismo sexual como grande fonte geradora de renda na cidade.
            Natal é uma cidade conhecida em outros países por suas belas acompanhantes, vulgo garotas de programa. O que o estado faz para que a cidade não fique conhecida por este símbolo é irrisório, é como compactuar com esta situação.Empresas compactuam com este esquema, pois lhe dá retornos financeiros. O turismo sexual por ter sua clientela específica, trás em momentos como o deste ano, de copa no Brasil, uma demanda de estrangeiros muito grande. Em Natal houve pouca presença estrangeira de países europeus ou do EUA. O que se transformou como relatado por uma das prostitutas um dos piores movimentos.
            Não foi fácil ser mulher e ter amigos estrangeiros durante a copa também. O preconceito e a intolerância, levaram a atos de barbárie. Policiais quando não agrediram supostas prostitutas (e prostitutas de fato) chegaram a um caso extremo de estupro a uma mulher por acharem que ela era uma prostituta, caso amplamente divulgado na imprensa. E a justiça? Apenas de penalizar o ato, não dá ênfase ao caso para impedir que outros casos semelhantes venham a acontecer. É preciso que a justiça retire as vendas e arregale os olhos diante desta realidade.
            UM CASO A SE PENSAR: ROCAS
Em entrevista conseguida com algumas mulheres que trabalham nos ditos “Cabarés” das Rocas, ou “Boates” como são conhecidas estas casas entre seus frequentadores, foi levantando o material para apuração de informações auxiliares para a construção desta matéria. Surpresa foi que foram materiais auxiliares para principalmente reinventar uma mente ultrapassada, a minha.
Eu, como estudante universitária que nunca estive em um local como aquelas boates, imaginei que me sentiria desconfortável e veria mais do que eu estava preparada para ver. Foi apenas impressão. Sempre achei, por um imaginário incentivado por descrições alheias que as prostitutas das Rocas fossem, me perdoem a expressão, a nata do lixo daquela região.
Em minha cabeça rodeada de disse-me-disse sobre os cabarés das Rocas, vagavam pelas esquinas de meus pensamentos mulheres feias, velhas e decadentes, sem pudor algum em roupas curtas provocantes que salientavam suas gorduras, fumando algum cigarro meia boca na porta de casas antigas. As imaginava viciadas em drogas, abandonadas pelas famílias e pela sociedade e que sofressem muita discriminação naquela região. Engano meu. E talvez este imaginário paire circundante na inconsciência de muitas pessoas que não conhecem aquela realidade.
Chegando á Ribeira fui ao encontro de meu namorado. Chamei-o para ir comigo por medo. Na minha cabeça imaginei que poderia ser encarcerada em um quarto sujo, dopada e viciada com o uso de alguma droga como o Crack por exemplo e ser explorada nos quartos sujos daqueles cabarés, como muito possivelmente já devo ter visto em algum filme ou cena de novela. Uma mente pequena que se fecha quando não conhece o outro, pode pregar peças em si mesma de maneiras incríveis, e como!
Estávamos lá, indo da Ribeira á Rocas sem saber como se  apresentar  nos locais que eram supostos cabarés. Pedi informação a um morador de rua, que com a maior naturalidade do mundo após eu perguntar sobre a localização dos cabarés me confirmou que eles ficavam ali mesmo, na Rua São Pedro.
Os cabarés, eram um enfileirado de casinhas de frente antiga, ao passar na calçada olhando para dentro das casinhas através das portas que estavam abertas, fiquei bastante confusa. Não pareciam cabarés, pareciam bares e somente. Todas continham uma máquina de música antiga. Dessas que te fazem pensar que você está em outra época. Algumas tinham logo na entrada algum crucifixo e outras tinham imagens de santos. O que revela a fé que existe mesmo em ambientes de mulheres da vida.
Entrei em uma das casas e perguntei a uma senhora que fazia as unhas das mãos se ali era um cabaré, assim com a boca cheia, com vergonha, como alguém que está entrando no desconhecido e receia cometer deslizes. A mulher sequer mudou a expressão e disse de volta: É sim. Entrei me apresentei, falei de meu trabalho e perguntei se poderia entrevistá-la. Ela disse que o melhor era eu falar com a dona da casa, mas ela estava dormindo, e que o que ela pudesse responder, contribuiria.
Ela contou que já foi dona do maior Cabaré dali, mas que essa palavra “Cabaré” era muito carregada, muito vulgar, e por isso o pessoal chamava agora de boate. Falou que não trabalhava mais com isso, que agora era funcionária da prefeitura. Falou-me um pouco de sua vida e de sua família. Sim, era dona do maior cabaré a seis anos atrás das Rocas, e tinha uma família estável. Um filho formado em direito, a mais nova querendo fazer veterinária e outro em assistência social.
Explicou que ali funcionava assim, o quarto era alugado a dez reais a hora. As mulheres normalmente vinham de outras cidades e até outros estados. Não precisavam ir bater ponto em esquina, ou algo assim. Chegavam, entravam, alugavam seus quartos e ficavam esperando os clientes chegarem.
Seus principais clientes são pescadores e trabalhadores de cargueiros no porto que viajam durante dias e na volta as procuram. É comum não precisarem sair de suas casas, apenas usam roupas provocativas e fumam ou bebem á entrada das casas, os homens já sabem onde as procurar.
O interior das casas é humilde, há uma mistura curiosa entre o profano da casa e a decoração religiosa com presença de cruz e imagens de santos. As casas se misturam aos bares vizinhos o que torna difícil compreender qual é “boate” como gostam que chamem, e qual é apenas bar. Todas curiosamente tem uma máquina de músicas antigas. O que trás um ar rústico e histórico para o ambiente.
Revelaram que o movimento vai tão mal que as casas já estão fechando, que na copa foi horrível, o movimento não só foi ruim como ainda sofreram com a criminalidade do bairro. A dona de uma das casas disse que hoje em dia é mais barato colocar no pacote do preço um motel, do que ir para a “boate” que por se localizar nas rocas afugenta muitos clientes, pelo local já ser conhecido como bairro perigoso.     
Uma entrevistada prostituta de uma das boates, disse que o bairro é violento mesmo e que a droga corre solta. Apesar de existir um batalhão de polícia logo adiante do espaço delas, reclamam da falta de segurança.
Os moradores das proximadades não se incomodam com a presença das prostitutas e nem com as casas. Acham norma, e que elas não incomodam nem dão trabalho a ninguém. Também não vêem ligação delas com o aumento da violência no bairro. Acreditam que as pessoas roubam e consumem drogas não influenciados pela prostituição que ali existe, mas porquê estas pessoas são assim mesmo, e uma coisa não necessariamente leva a outra.
 Outras prostitutas ali também tinham filhos, alguns seguem o mesmo caminho. As casas servem apenas como um motel de baixo custo e como casa durante a estadia da mulher nas Rocas.
Ao contrário do que imaginei, encontrei mulheres simpáticas, firmes e sem problema algum com seu estilo de vida e sexualidade. Donas de casa, mães de família... Algumas aparentando ter 40 anos, outras mais jovens e inclusive bonitas. Todas tentando ganhar a vida da forma que conseguem.




**Agradecimentos sinceros aos entrevistados pela boa recepção e experiência.
Próximo
« Anterior
Anterior
Próximo »