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Reflexões literárias: A Queda da casa de Usher

Edgar Allan Poe foi um escritor americano, nascido no século XIX, para ser mais exato, em 19 de janeiro de 1809, em Boston, Massachusetts. Hoje é reconhecido por praticamente inventar o gênero ficção policial, e por dar grandes contribuições à ficção científica. Seus contos, sobretudo, os cinco que aqui serão resenhados, são conhecidos por um horror psicológico e dão margem para uma reflexão sobre uma característica presente na mentalidade do indivíduo da contemporaneidade, de uma certa contemporaneidade, por vezes a nossa. Trata-se da vergonha do medo e da superstição e o credo na razão, na explicação racional, mesmo diante de fatos (no momento ou a primeira vista) inexplicáveis.

A Queda da casa de Usher
                [contém spoilers]

Durante o outono de um certo ano, o narrador-personagem [característica dos contos de Poe selecionados] viaja a cavalo por terras desalentadoras, em um dia soturno, e nas proximidades de um rio, para diante da melancólica, misteriosa e decrépita Casa de Usher. Seu proprietário, Roderick Usher, amigo de infância do nosso protagonista enviara uma carta a ele expondo o seu estado de saúde frágil, e requerera sua presença, pois acreditava estar perto da morte.
Na narrativa o protagonista desabafa, há algo de errado naquele lugar.

[...]cheguei realmente a crer que por todo o entorno da mansão e do domínio pairava uma atmosfera peculiar a eles próprios e a suas imediatas redondezas[...]" [POE, Edgar. Contos de imaginação e mistério. Editora Tordsilhas. Kindle e-book. posição 3153]

Ele até chegar a crer e a confessar para o leitor, que uma certa aura pairava sobre aquela casa, mas claro, não poderia admitir essa aura sem dizer ter vergonha de admitir tal discurso e sem buscar explicações racionais [no caso, o terror] para o que sentia,

[...]minha surperstição [...] serviu principalmente para acelerar o agravamento em si. [...] talvez tenha sido por essa razão unicamente que, ao voltar a erguer os olhos para a própria casa, [...] cresceu uma estranha fantasia - uma fantasia tão ridícula, de fato, que a menciono apenas para mostrar a vívida força das sensações que me oprimiam. [POE, Edgar. Contos de imaginação e mistério. Editora Tordsilhas. Kindle e-book. posição 3153]

Não poderia expor sua superstição sem expor o constrangimento discursivo da verdade presente na contemporaneidade, da razão que impele a fantasia, a superstição para o nível da imaturidade, infantilidade, ou mesmo loucura. De modo que admitir tal sentimento, de modo que admitir, mesmo que por um momento que crê e sente medo do sobrenatural, torna-se constrangedor.

A narrativa tenta enganar o leitor, tenta convence-lo de que o sobrenatural existe. O narrador, na ultima tentativa de acalmar Usher conta-lhe uma narrativa sobre o Herói de Trist. O herói quebra uma porta, no mesmo momento que se lê, ouve-se da casa de Usher uma porta de madeira se quebrar. Um dragão, em seu momento de morte grita, um guincho apavorante e dissonante, ouve-se da casa de Usher o guincho do dragão. Se instaura o cenário de horror e fantasia na narrativa. Cai um escudo na história do herói, e o som do aço no piso é ouvido na casa de Usher. Terror consome o protagonista e no mínimo, curiosidade passa pelo leitor. Contudo, fantasia se desfaz, a narrativa se revela perfeitamente racional, mas não menos horrenda. Não existem heróis nem dragões, nem atmosfera fantasmagórica em torno da Casa de Usher. Existe um grito de desespero de uma mulher que diziam morta, mas fora trancafiada viva em uma tumba. Existe uma mulher decrépita que em suas últimas energias derruba as correntes de aço no chão. Destrói a porta de madeira. Existe uma horrível tentativa de assassinato da própria irmã, uma casa terrivelmente velha e decadente e uma série de coincidências improváveis, mas plausíveis de acontecer. A fuga, a descoberta da verdade, a elucidação racional e a queda da Casa de Usher, encerram a narrativa.

Desta vez o horror e o imaginário fantasmagórico e fantástico tomam conta do narrador e do leitor e quando vem a se dissipar é de maneira abrupta. Provocando uma nova sensação de horror pois a realidade é mais cruel que a fantasia, e se assim não fosse, seria uma sensação de constrangimento, desta vez, já explicitada por parte do narrador, por perceber que em algum momento veio a crer no mito, e parou de notar a cruel realidade que o cercava.

 O que nos leva  a pensar,
até que ponto estamos dispostos a nos enganarmos na tentativa de mascarar uma cruel e chocante realidade que grita aos nossos ouvidos? Ou em que medida estamos dispostos a lançar mão das nossas tradições céticas apenas porque o fantástico parece ser mais atrativo, mais emocionante, ou talvez, menos entediante? Nosso narrador da vez conseguiu a libertação, desconstruiu o mito, descobriu o real e fugir foi sua salvação. No entanto, o que garante que sairemos ilesos enquanto continuamos a insistir nas ilusões? O que nos garante que não ruiremos junto as nossas próprias Casas de Usher?
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