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Amar (não) é viver: Viver é Historicizar a própria existencia


 Para uns, amar se assemelha à guerra. Conflito de interesses, jogo de manipulação. Vence aquele que souber o momento certo de por sua estratégia e seu exército em campo. O melhor estrategista domina a relação. Para outros, amar é expressão máxima de altruísmo. Doar sua vida para outrem, em troca apenas do bem-estar da pessoa amada.

 Tentar controlar o indefinido, assim como encarar o passado 
sem saber como faze-lo, é como um Dom Quixote sendo 
derrotado pela sua própria ilusão.

o amor é aquela moeda com a qual você quis fazer truques quando criança (ou ainda treina esses truques, mas, hey, sem julgamentos); você a queria fazer desaparecer numa hora, e na outra a fazia surgir em algum lugar preferencialmente embaraçoso. Pois bem, você conseguiu; apenas, como tantas outras facetas da vida, não do jeito que você queria.
O amor seria aquela coisa que você não controla muito bem, mas acha que certamente seria útil controlar para demonstrar sua sabedoria em um momento oportuno, mesmo sem saber quando, nem exatamente o porque isso seria necessário. Controlar o amor, é o desejo de muitos, sobretudo daqueles que se acham envolvidos por ele. Quando algo passa a influenciar demais sua vida, tentar, ou ao menos desejar tomar o controle da situação é quase instintivo para alguns indivíduos, pois a situação estando fora de controle, as coisas podem começar a ficar desesperadamente caóticas e sufocantes. Mas veja bem, foi definido o que se quer fazer com o amor, controla-lo. Por outro lado, o mais próximo que se chegou de definir o que é, afinal, o amor foi, aquela coisa. Ou seja, não se definiu coisa alguma. Se a intenção foi resgatar da experiência vivida pelo leitor uma definição de amor que encaixe no que se pretende, bem, pode dar certo, pois no fim das contas todo mundo encara, uma vez ou outra, o amor como sentimento. Mas comete-se um erro terrível, pois como diria Roger Chartier, no processo de leitura intercruzam-se as intenções do autor e as ações do leitor. Estão no mesmo processo a vontade de dizer do autor, e o ato transgressor do leitor, que toma para si aquelas palavras à sua própria maneira. Tratando-se de algo tão subjetivo e controverso que é o amor, como podemos falar dele, se não o definimos bem? Como podemos tentar controla-lo sem nem saber do que ele se trata? É como entrar em um quarto escuro e acreditar combater fantasmas onde só existem cortinas velhas. Meio quixotiano, não?

 Mais a frente Anne define o que "deve ser" o amor
      O amor deve ser romântico, no sentido original da palavra. Romance é sobre o "eu", o sinônimo mais sincero do egoísmo. Supostamente, tal elemento deveria ser o maior conhecedor do sujeito em si, sendo, portanto, desnecessário qualquer outro adjacente.
 O amor deve ser sobre como lidar consigo mesmo, é isso? Amar deve ser como alcançar seu objetivo? Como uma cruzada? Uma peregrinação? Uma aventura em busca de conquistas e auto-descobertas, isso é o amor? E eu aqui achando que estávamos falando de amor. Estamos falando de vivência, da memória e de experiência.
Diariamente nos são dadas várias escolhas referentes ao modo de lidar com o passado. De maneira alguma o esquecimento deve ser o método usado para cura. A lembrança, na verdade, é nossa melhor aliada; não só é um registro do que foi dito e feito, mas também um teste particular. Se, ao ressuscitar alguma memória, não houverem sentimentos anexados a ela, então saberemos que essa parte do passado já virou história, e que poderá ser usado fins futuros sem prejudicar a situação presente. Isso, creio eu, é chamado de amadurecimento [ou get over].
Certamente que não lembrar do passado é a pior forma de lidar com a nossa existência. Simplesmente porque esquecer é não viver. Esquecer é ignorar não só as consequências do percurso da vida, como também, estar alheio à qualquer infeliz continuidade do nosso passado que ainda se faça presente. Esquecer é ignorar a experiência, e portanto, é não aprender. Seria uma perfeita reflexão, mas eu não estou passando alguns anos me graduando em história para ler tamanho absurdo e deixar passar.  
 Se, ao "ressuscitar" alguma memória não houverem sentimentos anexados a ela, esta memória não é história, e este indivíduo ou estar perto da loucura ou da morte. Se não física, uma morte subjetiva, da mente, pois ele está se entregando à acinzentada inércia da vida. História não é quando algo se fixa no passado e já pode ser "relido" para passar o tempo, ou para ter o que contar. História se faz a partir da situação presente, se faz com sentimento, com motivação, se assim não for, perde seu sentido. História é pensar o passado para solucionar problemas atuais. Só existem questões, porque alguém está inquieto com certa situação presente, e em geral, tal situação é negativa, dolorosa, ou opressora. Além disso, a História não está dada esperando ser relida, pois como dito, se constrói a partir de uma inquietação. Portanto, por vezes, pensar o passado, é sempre, ao menos um pouco, ressignifica-lo. Deve-se ter consciência disto para que ao invocar o passado no intuito de "resolver-se", não acabe compreendendo o passado pelo que hoje você acha dele. Isso se chama anacronismo e para o bem ou para o mal, invalida parte da experiência e cria soluções ilusórias, as vezes fáceis de engolir, as vezes reconfortantes e por vezes, convenientes, mas assim sendo, não se resolve de fato, e questões mal resolvidas sempre voltam a atormentar nossa existencia, direta ou indiretamente.
Sim, a experiência é uma professora cruel que exige coragem para confronta-la. Mas de nada adianta a coragem se estivermos munidos de vento. 
Viver não é apenas relembrar o passado, é historiciza-lo. Ou melhor,
Viver é historicizar a sua própria existência. 


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