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O Perigo da Distração


        
          Não importa em qual situação você se encontra, há um cuidado universal que é preciso ser aplicado: fuja das distrações.
          Esse artifício tanto quanto covarde que utilizamos em ocasiões de estresse é tão fatal quanto a tentação. Cada um de nós é ciente de suas fraquezas, mas o ponto de ignição pode tornar-se catastrófico e ser prejudicial para o futuro. Quando os fatores culminam em um canto abafado, qualquer janela se transforma em uma saída de emergência.
          Não se iluda em pensar que é o único a passar por isso, ou que procrastinação — seja de um trabalho, em um relacionamento ou em pendências gerais — é algo do qual você pode se orgulhar ao ser criativo. Tudo isso não passa de uma fuga, um virar de costas e fingir que não se importa, nunca se importou e não significou nada.
          Imagine que, ao sair do banho, você olha para o espelho embaçado na parede: aquela imagem sua, sem foco, sem contexto, é irreconhecível até aos seus olhos. Esta ilustração é a irônica aparição de você mesmo, aos erros e tropeços, falhando em procurar a solução e se contentando com a forma abstrata que você pensa ter escolhido viver. É preciso encarar que remendo algum vai poder suprir o que somente uma cura pode resolver.
          A pressão de ter que viver a vida a 100% é irreal, utópica e completamente angustiante. Não há essa versão feliz, essa cena cortada da direção, e dar as mãos para essa ilusão é o mesmo que admitir ter um caso com uma felicidade calculada.
          Porém, eu creio que a pior origem do perigo da distração é a rejeição. Há várias maneiras de ser atirado nessa fogueira, e a maior parte destes motivos não reside em outras pessoas, mas em você e em todo conceito formado exaustivamente sobre outrem em detrimento de si mesmo. A auto-rejeição, a crença de não ser o suficiente para alcançar o desejado fim, a lembrança de toda mácula que deixamos acumular em nosso caráter; tudo contribui para uma menor percepção dos fatos e uma maior complexidade de falhas.
          O pensamento "o que eu tenho a perder?" se transforma em um refrão entoado com orgulho, e qualquer som de discórdia tem como resposta um fluxo de justificativas ensaiadas e argumentos generalizados. A tão sonhada felicidade não pode ser alcançada enquanto existir um pacto com o amortecimento de sentimentos. Dizer estar bem é uma das mais antigas linhas de cantiga que existe, e todos a decoram muito bem. Ninguém que encontra você na rua realmente quer saber como você está, e vice-versa. Isso não é pecado algum, utilizar-se dessa desculpa rotineira, mas quantas vezes o conhecido com o qual você se deparou na verdade era uma personificação sua? Quantas vezes escolhemos o caminho que causará menos perguntas, menos inconvenientes, menos atenção? Isso não se trata de paz, mas um falso sossego. É comum um estranho dizer verdades — quem nem ele sabe que são reais — ao ler um poema, declamar um soneto, entoar uma canção; verdades que são reprimidas pelo desejo de resolução da não-resolução, a escolha de não decidir, a negação em opinar.
          Até quando vai permitir que alguém lhe roube o verso, lhe copie a fala, te faça de mudo? Ocorre a alienação para que não haja a plenitude da consciência, e essa tal abençoada ignorância desce pela garganta da covardia feito mel, até que atinja o estômago da desgraçada frase "amanhã eu faço". Aos poucos essa declaração vira "amanha eu digo", "amanha eu conserto", até que se torne "amanhã serei eu", até que não tenha outro amanhã.
          O livramento temporário do nosso fardo tem seu efeito semelhante ao da morfina, e qualquer desenvolver deste ato em hábito transforma o alívio em vício, a ausência da dor em ausência de tudo.
          Que apenas este pensamento você mantenha próximo: nosso reflexo é tão bom quanto nossa visão, e nossa capacidade tão vasta quanto nossa ambição, mas nada disso poderá mudar uma imagem gravada na memória, um espelho embaçado no banheiro. Podemos fugir o quanto quisermos, viajar tão longe quanto o dinheiro puder nos levar, mas nada disso distanciará a figura abstrata do nosso reflexo, a silhueta indagadora do espelho. Ao menos uma vez, e não por hábito, limpe a condensação, ignore a janela, e contemple aquilo que te caça como um predador furioso e finalmente encare o perigo do qual a vida pode ser poupada sem a sombra da fácil distração.
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1 comentários:

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Diego Azevedo
admin
14 de abril de 2015 às 13:32 ×

"Aos poucos essa declaração vira "amanha eu digo", "amanha eu conserto", até que se torne "amanhã serei eu", até que não tenha outro amanhã."
Até que sequer exista um eu, apenas alguém que ilude a si mesmo fingindo ter uma vida conturbada e com atrasos, quando vive apenas em uma inércia do cotidiano da distração.

Congrats bro Diego Azevedo you got PERTAMAX...! hehehehe...
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