randon

A Repressão do Eu


          Feliz e infelizmente, a vida é feita de escolhas oferecidas e decisões impostas. É necessário haver mudanças, haver esse senso de que é possível adaptar-se sem perder um pedaço de si. A parte infeliz deste protocolo é quando é permitido que o eu se reprima.
          Na maioria das vezes, estas circunstâncias cruéis se intitulam benéficas, pois todos gostam de fingir que estão bem com a mudança. A certeza aqui é que vemos os padrões corriqueiros de acordo com nosso desejo, nosso querer em controlar o céu e dizer a si mesmo que é uma garoa, por mais que seja óbvio que virá tempestade.        
          Cada um mantém dentro de si um cânone, um livro pessoal de regras que pretende seguir, quer seja possível ou não. Dentre estes mandamentos pode ser encontrado a linha que não queremos cruzar, o segredo que não podemos revelar, a insegurança que não queremos admitir. Isso tudo é empilhado e serve de base para qualquer argumentação do tipo "é pessoal" ou "é complicado". Mas esta flácida justificativa não é preparada para outros, mas sim para ser servida a nós mesmos.
          Essas manias, essas formas de mascarar o que realmente quer ser feito, são somente um resquício dos muitos que se acumulam dentro de si devido à fuga da realidade. Diga a si mesmo o que quer, e organize sua mente, corpo, alma, horóscopo, guia espiritual ou noticiário da bolsa de valores e GO GET IT.
          Enquanto esta fraca disciplina for rotina, for o pão diário que você ingere, é bem possível, provável, aliás, que toda supressão seja o suficiente, para, eventualmente, o esmagar. Às vezes a pressão para que algo seja feito é menor e menos importante do que a pesada consciência. A cobrança interna, o desassossego constante, a represa auto-imposta — tudo se torna cúmplice de um crime à natureza humana, e o terremoto que ocorre a partir disso é destrutivo para todas as superfícies relacionais. Quando uma barreira é ultrapassada por pressão e instinto natural, as consequências são abrasivas. Uma coisa é você querer dar um passo, a outra é você ser forçado a correr, fugindo de um monstro que você próprio criou e alimentou dentro de si.
          Quando confrontado diretamente, o seu reprimido eu ruge de indignação e se inflama com as mencionadas e podadas justificativas. Sem querer retroceder e editar conceitos, sem querer acionar o freio de mão e repensar os fatos, simplesmente continua alimentando o parasita. Antes que se dê conta, seu corpo reagirá de forma igualmente controlada, cujas cordas estarão tecidas e magistradas pelo seu eu corrompido e maquiado.
         Quanto ao ponto de origem desta (que deve ser chamada) anomalia, o conceito varia de pessoa pra pessoa. Muitas vezes só é possível diagnosticar um indivíduo ao saber o ponto de entrada  [não sei se você já assistiu algum episódio de "House"], e me atrevo a dizer que isso exige uma parcela de sinceridade.
         Então, cá estou eu, afirmando que o hospedeiro pode ser qualquer um de nós, quer esteja lutando diariamente contra si próprio ou prontamente conformado com a bolha na qual vive. Quer a pressão venha de fora ou seja auto-infligida, se o responsável for uma pessoa ou um fato, um comentário ou um lugar que deve ser esquecido, atenha-se ao seu cerne, seja fiel ao seu eu, o núcleo de tudo que você é e quer fazer. Se a liberdade que você procura é o oceano, nade livremente, embarque na descoberta de ter que ser você mesmo todos os dias independente do que o quiser atingir, oprimir, regular: perca a repressão, ganhe a si mesmo.
Próximo
« Anterior
Anterior
Próximo »

2 comentários

Comente
Anônimo
admin
20 de abril de 2015 às 08:16 ×

Em que medida seus textos representam às tuas próprias angustias e desejos?

Responder Comentário
avatar
Anne Moreira
admin
1 de maio de 2015 às 03:40 ×

Frequentemente, embora eu tenha talento em reconstituir sentimentos alheios.

Responder Comentário
avatar