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O Caleidoscópio Humano

         
         A questão da perspectiva não é a necessidade de se adequar, mas sim aceitar que há mais ângulos a serem considerados do que somos capazes de lidar. Em algum momento a pressão eclode, a pose de boa pessoa se rompe, e então há a erupção.
         O mais triste sobre isso — e tantas outras facetas da natureza humana — é que tal evento não ocorre somente quando podemos prevê-lo: o perigo do desastre natural não é fatalidade, mas a imprevisibilidade. "De onde veio aquele surto de raiva? O que eu fiz para causar isso? Já estava lá o tempo todo e eu fui o último a saber?"
         Os motivos que deixamos expostos são tão perigosos quando as razões sob a superfície. Em outras palavras, em muitas situações, queremos ser pegos; pegos na dor, na mentira, na astúcia, na irreprimida felicidade. Então, quer queira admitir ou não, você quer ser descoberto, você quer ser lido, você quer ser estudado e compreendido. Tal verdade não pode nem deve ser forjada com conversas casuais, comentários supérfluos, trechos de músicas conhecidas; essa verdade deve ser aceita como um conceito sem perspectiva, uma obviedade.
         Às vezes a dor (ou o pensamento da possibilidade de ser rejeitado) é suficiente para nos impedir de fazer algo tão simples quanto compartilhar um sentimento. Que a dor não nos impeça de alcançar a sinceridade, não nos agarre e nos domine, porque, convenhamos, a dor é obrigatoriedade na vida, que não liga pra requerimentos e aparece com aviso prévio. As simples frases "eu estou chateado com você" ou a confissão "eu estou desapontado comigo mesmo" tornam-se um peso constante, um humilhante lembrete de que, na maioria das vezes, quem nos impede de ser felizes somos nós mesmos.
         E a natureza masoquista não para por aí, de forma alguma. O ser humano tem uma fome de competição, uma vontade primitiva de expressão do mais azarado, o mais descontente, o mais desafortunado de nós que, invariavelmente, procura satisfação na própria miséria.
         Este é o ponto no qual, creio de forma preocupante, nos separamos entre os observadores e os observados, os pensantes e os determinados, os racionais e os emocionais. Como todas as outras classificações generalizadas, esta é mais uma que não te força a escolher um lado, ou te apresenta um teste psicológico (ou critica impiedosamente quem determinou estes termos precoces e imprudentes), mas te leva a pensar quantas vezes fomos o observador e quando nos deixamos ser observados.
         Todo o intuito deste levantamento de questões poderia ser tão leviano quanto mais um texto a ser publicado, mais uma voz que não é ouvida, mas mesmo o mais excêntrico de nós, o mais ousado, o mais tímido, desejou, ao menos uma vez, ser lido como uma manchete, estudado como uma revisão final, escrito como uma tese.
         Em meio deste caleidoscópio de emoções, a perspectiva é eliminada. A opinião individual é barrada por sua própria fraqueza, e todo conceito antes formado é hesitante em seu julgamento. Percebemos, em nossa pequenez, que psicologia pode ser limitada, e que qualquer fingimento de que há originalidade em nossos problemas é extremamente precipitado. Voltemos à simplicidade dos nossos desejos e nosso caráter, à boa pessoa que queremos ver em nós mesmos antes da erupção final, do caos interpessoal, da fragilidade e complexidade da natureza humana. Voltemos ao espelho moral e tentemos novamente, enquanto ainda há a chance de tentar.
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