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Sobre Mulheres e Cafés em 4 imagens






           Quando observamos ou frequentamos uma cafeteria percebemos a grande presença feminina nesses espaços. É muito natural encontrarmos mulheres de todas as idades em bate-papo e saboreando uma deliciosa xícara de café. O que poucos sabem é que a relação entre mulheres e cafés é uma relação intrigante do ponto de vista da História, uma relação que, podemos dizer, compreende amor e ódio. Quer saber mais? Aqui selecionei algumas belíssimas imagens que nos ajudam a vislumbrar a relação entre mulheres diferentes e cafés em seus respectivos tempos.


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1.      A Petição das Mulheres Contra o Café





Curiosamente, a relação entre as mulheres e os cafés nem sempre foi tão amigável, é o que documenta a Petição das Mulheres Contra o Café, (Women Petition Against Coffee). O ano era o de 1674, quando um grupo de mulheres se uniu em Londres com o propósito de solicitar o fechamento das cafeterias na cidade. A justificativa? Os cafés estariam atrapalhando a vida conjugal e sexual dos casais, pois os homens abandonavam suas esposas em casa para saborear aquela bebida que era ainda uma novidade para a Europa, mas já uma velha conhecida para os Orientais (COWAN, 2005, p. 42). Em 1555 foi introduzido na capital otomana [Constantinopla, atual Istambul] o uso público da nova bebida pela fundação das primeiras kahwe-khanês, ‘casas de café’”. Durante o governo do sultão Suleiman (1520-1566), em Meca e Medina, assim como também no Cairo apareceram múltiplos botequins de café (BOLETIM, 1927, p. 55 - 58).
A Europa ganhou seu primeiro café em 1650 na cidade universitária de Oxford pela iniciativa de um libanês conhecido por Jacob. Mas quando o uso da nova bebida ganhou popularidade, causou um enorme frisson, modificando também o comportamento dos ingleses, causando rejeição por certos grupos como o das mulheres, mas também os donos de tabernas e negociantes de vinho que se aliaram a um discurso pessimista dos médicos. A rejeição em relação aos cafés foi tão grande que em 29 de dezembro de 1675, o rei Carlos II emitiu a “Proclamação para a supressão dos cafés públicos”. Graças à popularidade dos cafés, tal decisão não vigorou, pois, “os cafés, a essa altura, tinham se tornado um aspecto central da vida social, comercial e política de Londres”. (STANDAGE, 2005, p. 115).
 Sim, é compreensível a rejeição das mulheres em relação à novidade que esquentava os bigodes dos seus cônjuges. Os cafés passaram a se constituir como polos de leitura e política, e também de transações comerciais, centros privilegiados de informações, locais ideais para os homens de negócio. A relação entre homens e cafés no século XVIII, perpassou a criação de círculos de sociabilidade, nesses espaços, de acordo com Richard Sennett os “homens da época criaram, portanto, algo que para eles era uma ficção, a ficção segundo a qual as distinções sociais não existiam”. (SENNETT, 2002, p. 109). Para o filósofo alemão Jürgen Habermas, os cafés foram centros de uma crítica inicialmente literária e, posteriormente, também política, quando começou a se efetivar uma paridade entre homens da sociedade aristocrática e a intelectualidade da alta burguesia (HABERMAS, 2003, p. 48). Em Londres podia-se debater política livremente nestes espaços, alguns se tornaram inclusive sede de partidos políticos. Os cafés “forneciam revistas, jornais e oportunidades sem fim para discussões políticas, o que ocorreu em Londres e Amsterdã [...]. Em 1760, Viena possuía pelo menos sessenta cafés” (DARNTON, 1992, p. 217).
 Os cafés se tornaram um símbolo de Paris. Na França, os cafés mantiveram essa característica, reunindo intelectuais iluministas como Denis Diderot, que teria escrito a enciclopédia em um café, no la Régence. Por volta de 1750 chegaram a 600 o número de cafés em Paris (STANDAGE, 2005). No século XVIII, os cafés parisienses se tornaram palco de fomentação das ideias da Revolução Francesa.  Os cafés localizados, principalmente, no Palais Royal se tornaram lugar de debate das notícias da Revolução, davam a ideia de uma “democracia direta de praça que se configura através da vida dos cafés”. (TERNI, 1989, p.61).  No século XIX em Paris, após as transformações urbanas feitas pelo Barão Haussmann, os cafés invadiram as calçadas das largas avenidas. O ambiente passou a remeter mais a introspecção e a observação (SENNETT, 2006, p.278-279).


2.      Édouard Manet, Au Café-Concert




O quadro de Manet representa o século XIX, quando a Europa passou por mudanças em relação às configuraçãoes sociais e culturais. As inovações tecnológicas proporcionadas pela Revolução Industrial e suas descobertas científicas, bem como os discursos higienistas, modificaram a vida do homem oitocentista nas cidades. Na época, Paris era um exemplo de modernidade, era a cidade modelo para o Ocidente e Manet que se interessava em pintar temas cotidianos, voltou seu olhar para a cidade, e em especial, na pintura em questão, para o ambiente de um café francês. Nesta bela imagem de 1879, Manet constrói um olhar para uma cidade repleta de espaços de lazer e interação social. Pintor de grande influência para os pintores impressionistas que vieram depois, Manet viveu esse momento em que a urbanização permitiu os melhoramentos urbanos. Isso significou uma maior vivência dos espaços públicos por homens e mulheres da Elite. A cidade passou a ser saneada e convidativa ao passeio. Ela ganhou ruas largas, passeios públicos, praças e inúmeros cafés. Era de bom tom para os burgueses, membros da elite, frequentar esses espaços, muitas vezes acompanhados de suas esposas.  
O café representado na imagem é um Café-concerto, os cafés passaram a apresentar vastas opções de espetáculos que englobavam números musicais, como também teatro e dança. Eram locais em que se podia fumar, saborear alguma bebida alcoólica e o café.
Em relação às mulheres, a imagem de Manet representa três delas mais claramente. A que está em primeiro plano é a senhora que acompanha o burguês, seu esposo. Essas mulheres acompanhavam seus maridos nos eventos sociais. Fazia parte da boa conduta de uma dama da sociedade, além do cuidado com a casa, apresentar-se publicamente como uma boa esposa. As outras duas mulheres da imagem prestavam seus serviços no estabelecimento. É importante saber que o trabalho nesses locais era feito pelas mulheres de classe menos abastadas, garçonetes e dançarinas, muitas vezes, carregavam também o estigma do preconceito.
Outros pintores que representaram as vivências em cafés no mesmo período foram Henri Gervex e Van Gogh.  


3. Djuna Barnes e Solita Solano por Maurice Branger





  O início do século XX representou o surgimento das discussões feministas e a abertura da mulher para o mercado de trabalho, além da incorporação de novos hábitos envolvendo a moda e o comportamento, principalmente após a I Guerra Mundial. Na fotografia de 1922, Maurice-Louis Branger, que participou do advento da fotografia, retratou Solita Solano e Djuna Barnes em um café parisiense. Solita, uma escritora, poeta e jornalista norte-americana, Djuna, também uma escritora e jornalista norte-americana, artista plástica. As duas eram mulheres letradas, intelectuais, mulheres à frente de seu tempo.
  Branger, um fotógrafo interessado em cenas cotidianas, como também em cenas esportivas, retratou as duas escritoras em um café parisiense, as duas ostentando seus cabelos à la garçonne, curtos, com suas roupas largas e também curtas. Além disso, andavam sozinhas pela cidade e pelos cafés, sem a presença masculina. Era esse o estilo da nova mulher na década de 1920, uma mulher confiante, uma mulher que não tinha medo de ousar, uma mulher que ecoava, através do comportamento e de sua imagem, a ideia de confiança. Segundo Michele Perrot, cortar os cabelos era em si um sinal de emancipação nas décadas de 1920 e 1930, mas também de liberação de costumes. Os cortes mais retos conferiam um ar andrógino ao visual, principalmente quando as mulheres resolviam adotar alguns itens semelhantes ao vestuário masculino, como o tailleur, estilo Chanel, uma herança das inovações da grande estilista do início do século XX. Algumas mulheres também adotavam a gravata e a piteira. Foi também o período em que as mulheres homossexuais aspiraram ares de liberdade em relação a sua sexualidade.  Não era a regra geral, mas era a presença de novos costumes que estavam presentes na sociedade, eram atitudes novas para as mulheres o hábito de “fumar, dirigir automóvel, ler jornal em público, frequentar cafés” (PERROT, 2007, p. 60).



4.      Publicidade dos Cigarros Marlboro





 Além de cumprir a finalidade de anunciar um produto, a publicidade pode ser compreendida também enquanto um termômetro do comportamento da sociedade, pois ela tenta convencer e afetar, por meio do anúncio, os seus possíveis consumidores. A publicidade também acaba projetando padrões de comportamento e consumo na sociedade, fazendo parte da cultura de uma época. A publicidade de 1927 acima, de uma marca de cigarros norte-americana, não à toa, envolve uma mulher, e uma mesa de um café, vinculando esses elementos ao seu produto, os cigarros. 
           A mulher da publicidade da Marlboro é uma típica habitante das grandes metrópoles, afetada pelos ideais de emancipação que envolviam uma maior participação feminina perante a sociedade e a política. O direito ao voto feminino, em 1919, pode ser apontado como uma das mais importantes conquistas desta época para as mulheres. Neste período também houve o surgimento de uma imprensa política destinada ao gênero feminino como, por exemplo, a revista comunista feminina Die Kämpferin. As mulheres que nos séculos anteriores habitavam apenas o espaço privado passaram a marcar presença no início do século XX na esfera pública, e em ambientes como os cafés.  Em muitas cidades americanas e europeias, como em Berlim, por exemplo, essa “nova mulher” passou a circular pelos espaços urbanos. Era um estilo de mulher que possuía consciência do seu valor, além disso, era “materialmente independente, bem cuidada, esportiva, sexualmente ‘liberada’” possuía a “a audácia de sentar-se sozinha nos cafés e fumar em público” (WALLE, 1993, p. 96).


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         Ao longo do texto e das imagens, perpassamos a relação entre as mulheres e os cafés em diferentes tempos. As imagens costuram o espaço dos cafés com os elementos sociais e culturais referentes às mulheres em períodos diversos. Elas constroem representações acerca de comportamentos, mulheres e os seus espaços de vivências. Através da pintura e da fotografia, do foco nas mulheres em cafés, podemos entrar em contato com imagens que se referem aos hábitos de uma elite burguesa no século XIX e em outro período, com as perspectivas que envolveram o ser mulher após a Primeira Guerra Mundial, já no século XX, com a presença do discurso feminista e dos comportamentos de uma mulher mais liberal.  O que no século XVII, na Europa, foi uma relação tensa, com o passar do tempo foi se constituindo como uma estreita conexão, ao ponto de não podermos mais compreender os cafés sem as mulheres, e vice-versa.



Referências:

BOLETIM do Museu Nacional: Comemoração do II Centenário do Cafeeiro no Brasil. Rio de Janeiro, v. 3, n. 4, dez. 1927.

COWAN, Brian. The Social Life of Coffee: the emergence of the British coffeehouse. New Haven & London: Yale University Press, 2005. 

DARNTON, Robert. História da leitura. In: BURKE, Peter (org.). A escrita da História: novas perspectivas. São Paulo:UNESP. 1992.

HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Tradução de Flávio R. Kothe. Rio de Janeiro:Tempo Brasileiro, 2003.
           
PERROT, Michelle. Minha História das Mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.

SENNETT, Richard. Carne e Pedra. Tradução de Marcos Aarão Reis. 4 ed. Rio de Janeiro. Record.2006.

_________________. O declínio do homem público: as tiranias da intimidade. Tradução Lygia Araújo Watanabe. 8 ed. São Paulo. Companhia das Letras, 2002.

STANDAGE, Tom. História do mundo em 6 copos. Tradução Antônio Braga. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2005.

TERNI, Massimo. O Papo Não Foi Inútil. In: A Revolução Francesa, 1789-1989. Revista Istoé Senhor, São Paulo: Editora Três,1989.

WALLE, Marianne. As belinenses e seus combates. In: RICHARD, Lionel (org.). Berlin, 1919-1933: A encarnação extrema da modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1993.

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