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Perceber o sensível e a alimentação.

Olá todos,

Tudo bem com vocês?

Sinto-me muito feliz por estar publicando sobre o que eu sinto neste site, compartilhar minhas pesquisas individuais com vocês num amigável e generoso artigo, pois, considero útil e importante que todos nós aprendamos a falar dessas coisas. Alguns poderiam achar surpreendentemente que uma pessoa como eu, geralmente dedicada ao campo artístico, enfrente uma temática de discussão sobre as ligações intuitivas que envolvem a maneira de encarar o sensível, a espiritualidade, a alimentação e a ciência alternativa, caminhando rumo a campos da liberdade. Antes de continuar o artigo, gostaria de dizer que tenho um compromisso muito forte com a liberdade, portanto, minhas buscas e pesquisas se fazem necessárias à obtenção de uma consciência, percebendo fronteiras, estratégias e maneiras que fazem-nos ter um chão semi-firme para podermos desenvolver uma saída da “matrioska prisioneira”¹ que cada um de nós está envolvido. Até entendo a disponibilidade de alguns para assuntos desse tipo, achar irrelevante ou “pouco proveitoso” mas digo logo de antemão, que me esforçarei para captar sua atenção.

            Meu intuito aqui não é focado para saúde e bem-estar propriamente dito mas reconheço que para falar das questões sutis que abraçam a espiritualidade, a arte e o corpo, indubitavelmente estaremos próximos dos campos acima citados. A ligação que quero propor nesse artigo é uma introdução para apurar a observação, tentar fazer uma ponte do reino estrutural da lógica até os bosques criativos da intuição. Como? Bom, vamos ver no que vai dar, estou escrevendo aqui de forma corrente sem nenhuma metodologia, tentando conversar dando ouvidos à minha intuição e imaginando o cenário de uma conversa onde poderíamos estar sentados em algum banco de areia enquanto olhamos o mar em alguma praia de Natal. Portanto, solicito a vocês a abrirem o campo e se deixar imaginar e harmonizar à frequência desse texto.

            Então vamos falar de alimentação.


           Por que comer? Ora, porque sentimos fome. Mas porquê as refeições são ditas pelas religiões como algo tão sagrado? (qualquer um poderia dizer: “- Claro, se uma pessoa não comer, ela morre”.) Bom, em muitas culturas, principalmente no Japão, o ato de comer e beber foi tomado como um ritual diário. A forma que foi encarada a alimentação consiste no sacrifício do reino vegetal e animal em favor da criação da vida e pensamentos humanos; ainda assim, por mais antropocêntrica que seja essa ideia, não nego o fato da alimentação ser transmutada em vitalidade para que continuemos vivos.



É simples: “1. Quem come, vive. Quem come pode pensar, falar, agir, amar, odiar, discutir, casar, procriar, matar, roubar. 2. Quem não come, nada pode fazer e, necessariamente terá de desaparecer.” (OHSAWA, p. 50)

A velha lei da ação e reação, não é?

            “Com o uso do fogo e do sal, esta miraculosa e misteriosa transmutação do alimento e água em corpo e sangue, mente e espírito, memória do passado e criação do futuro, consistia o ritual religioso central da civilização oriental.” (OHSAWA, p. 41) Não só na oriental mas principalmente na ancestralidade humana, os rituais que envolvem alimento são cultuados desde a pré-história, fortes em culturas da América Latina e Europa, entretanto a forma de lidar, observar e crer no alimento é que diferencia todas as fronteiras culturais. Os japoneses, especificamente, deificaram a nutrição. Assim como o cristianismo deificou o pão e o vinho como o corpo e o sangue, os antigos sábios japoneses deificaram o arroz por ser sua maior atividade agrícola, rico em nutrientes, atrelando essa dádiva como presente divino.



            As religiões do Extremo Oriente tem um forte embasamento na alimentação, vejamos, por exemplo, a ayurveda, a macrobiótica, a alimentação dos monges tibetanos e o uso da culinária dentro dos princípios da filosofia tradicional chinesa. Na América Latina, gosto de mencionar a alimentação dos Maias e Aztecas, cuja sociedade explorou bastante sua “dádiva divina” que era o milho; podemos ver naquela região uma culinária extensa que utiliza o milho como protagonista sem se desligar de sua ligação com o divino.

            Bom, o tempo foi se passando e as religiões foram se distanciando  dos fatores biológicos e fisiológicos do alimento, desassociando o saber da crença e da ciência, transformando a prática da alimentação diária em um ritual vazio de agradecimento ao divino. Muitas vezes eram justificadas como um discurso de “porque Deus quer” quando questionado, geralmente na infância, o porquê da reunião de família ou o de estar rezando agradecendo. Saber apenas que “sem a nutrição do corpo, nenhuma vida é possível” (OHSAWA, p.42) e  que “comer é criar uma nova vida para o dia de amanhã.” (OHSAWA, p. 42), isso já nos dá bases para saber o porquê do ritual; alimentar-se é dar vitalidade para continuar presente em existência.

            A pensamento ocidental baseia-se no fato de que vitalidade está ligada diretamente à ideia de saúde, ou seja, ter um corpo físico saudável é ter vitalidade e vigor; ter uma boa alimentação, praticar exercícios e etc, é garantir um corpo físico ideal² para se viver. Segundo a avaliação dos sábios do Extremo Oriente, cujo acreditavam que o estado de saúde estava de acordo com seis condições básicas: 1. A ausência da fadiga; 2. Bom Apetite; 3. Sono Profundo; 4. Boa Memória; 5. Bom Humor e 6. Rapidez de Raciocínio e de Execução. Percebam que essas condições não dependem essencialmente à ideia de ter músculos, um corpo escultural forte e nutricionalmente balanceado, mas sim a condições necessárias de vivência que te fornece uma boa aptidão para diversas dificuldades na vida, seja física, emocional ou mental. Conseguir seguir esses pontos é ter boa defesa físico-espiritual baseada na alimentação.

“- Então, você quer que eu me torne um religioso e reze em todas as refeições, é isso?”

            Não, o meu intuito não é esse. O principal objetivo das religiões é direcionar e orientar o ser humano para a beatitude, para a liberdade espiritual e divina através de seus dogmas muito bem elaborados de forma metafórica. Todavia, a lógica dos seguimentos muitas vezes perdem o sentido ao longo do tempo, como eu já falei anteriormente, do que se sente e de onde surgiu esse fragmento pertencente à história do imaginário. As pessoas não sabem explicar determinadas coisas, restando apenas um discurso levado de bandeja como um telefone sem fio. Hoje, a instituição religiosa é muitas vezes tomada apenas como uma ferramenta de controle formada por seres humanos que possuem interesses específicos de poder, utilizando sua influência política para conseguir suprir seus desejos individuais às custas da fé e da espiritualidade de dezenas de milhares de pessoas. Pelo contrário, meu intuito aqui é deixar claro, de maneira horizontal, que os conceitos como fé, ciência e arte estão justapostos e devem ser considerados alguns fatores para se ter consciência de instrumentalizá-los favoravelmente. Entender e respeitar são princípios básicos de sociabilidade; entender, respeitar e atuar percebendo os limites e fronteiras é utilizar da criatividade para sua própria vivência. Portanto, considero que entender e respeitar as coisas do que não creio me dá terreno fértil para pensar questões dentro da perspectiva do que creio e relacioná-las sistematicamente. Olhar os dois lados da moeda. Bom, e como eu sei que eu não faço muito o perfil de seguidor, prefiro me reter a participante e conhecedor compartilhando informações. Buscar a orientação através da intuição e do sentimento sem suprimir o racional.

A partir do momento que comecei a imergir nos estudos de nutrição para tentar curar meu pai, pude caminhar e encontrar lugares desconhecidos como o conhecimento da medicina tradicional oriental, a medicina holística, a nutrição, o corpo e a magia. Perceber a importância de observar a vida como um artista visual e direcionar-me para a solução de uma enfermidade utilizando a razão, a sensibilidade, a intuição e a vontade de agir. Percebi que a alimentação deveria ter uma preocupação básica tanto pro físico quanto para o espiritual, à partir daquela frase célebre que diz: “Você é o que você come!”, prefiro modificá-la e dizer: “você se transforma dependendo do que você come”, ter autonomia e consciência dos processos que envolve nosso corpo nos dá liberdade de atuação, controle de nós mesmos. Ora, seguindo essa lógica, podemos afirmar que quando não percebemos o que ingerimos, estamos abrindo espaço para que outro agente nos controle (físicamente e energeticamente), um indivíduo, uma instituição ou um conceito abstrato - como o desejo, por exemplo. Partindo desse entendimento é que podemos compreender as poções mágicas, os feitiços, as simpatias, a felicidade em comer uma determinada comida, a intenção de oferecer algo a alguém e outras coisas. Em princípio, comecei a pensar em uma alimentação funcional, tornar o corpo capaz, dependendo do tipo de funcionalidade que você quer dar para ele, por exemplo: se quer ter mais concentração, investir em alimentos leves que contenham elementos essenciais para o cérebro como carboidratos, proteínas, minerais, vitaminas B³ e outros. Imaginar é possível, crer é implantar (como um software) o entendimento intuitivo para si. Compreender esse campo é procurar um caminho para se tornar o próprio médico e o próprio curandeiro, escutar o próprio corpo, o que se come e o que se faz necessário, pensar a alimentação como uma ponte para um fim, estudar a funcionalidade dos alimentos para suavizar (ou para fortificar) estados de espírito como, por exemplo, excessos de raiva, melancolia, temperança, angústia, auto-estima, preguiça e etc. Na filosofia e na alquimia oriental, cujo foco é a longevidade, saber lidar com corpo é também saber lidar com os elementos dos alimentos: fogo, água, terra e ar.

Cada corpo é um corpo assim como a expressão é específica de cada um (na arte), basta pensar na alimentação como uma potência biológica utilizada para si, usar da potência criadora baseando-se no conhecimento para sentir como otimizar seu organismo. A alimentação é o primeiro passo dentro de uma percepção multifacetada contida na existência (como também nas coisas inexistentes). Não se pode mais confiar numa determinada estrutura que só visa a economia e exclui o espírito e o corpo físico reduzindo a um consumidor que não tem nada mais a fazer, exceto comprar. Alimentos (assim como sua utilização) que proporcionam modificação ao corpo, que geram desestabilizações, desequilíbrios, estagnações, preguiças, doenças (físicas e emocionais); empresas alimentícias que desenvolvem qualquer substância com um sabor agradável ao paladar, sem compromisso algum com o consumidor, e utiliza do mercado como uma tentativa desesperadora de sustentar a economia e, consequentemente, excessos na concepção e na execução das condições de trabalho baseado no funcionamento de uma macroestrutura que condiciona qualquer indivíduo a participar sem perspectiva criativa de uma outra opção de escolha. Macroestrutura responsável por manter a ausência das informações necessárias (legislativas, judiciais, sobretudo burocráticas) porque “não é politicamente interessante” para qualquer indivíduo que acredita numa estrutura governamental.

“O ser humano é, por sua natureza, sujeito a múltiplos condicionamentos externos. [...] As necessidades lhe são impostas pelo ambiente mesmo que o circunda. Mas graças à sua liberdade o homem também tem a capacidade de modificar as condições do mundo externo.” (BEUYS, 1972, p. 305)

            O poder de autodeterminação abre campos e começa pelas pequenas coisas. Falo aqui sobre perceber a alimentação, mas há outras maneiras que chamam a nossa atenção para a transmutação, como a busca pela autonomia. A vontade de mudar e de se reprogramar parte das condições externas que exigem a mudança ou, como no meu caso, do interior do  corpo – quando o seu corpo sensível mostra-se mais inteligente que seu próprio pensamento racional. Levar em consideração a alimentação como também  possuidora de propriedades energéticas, mágicas, curativas e sensíveis, é  observar que nossa intuição/imaginação é uma potente fonte de recursos para criar e propor novas perspectivas, possibilitando outras fronteiras: lidar com o desconhecido e desenvolver a inteligência sensível.


Notas:

1 Imagem mental: Uma matrioska que nos prende de forma inversa. Cada vez que tentamos, como forma de se libertar, sair de dentro  de uma bolha/gaiola/prisão que se constrói envolta de nós mesmos.
Também atrelado à ideia de beleza.
Legumes, nozes, sementes e grãos integrais são excelentes fontes de vitamina B


Referências:

NYOITI, Sakurazawa. Introdução à macrobiótica. Porto Alegre.
FERREIRA, Glógia e Cecília Cotrim (org.). Escritos de Artistas: anos 60/70. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.

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