randon

A Poeira do Tempo


GALPÃO DOZE, DOCAS - FIM DE NOITE

MALIS
(ergue as mãos para o teto abobadado, mirando o céu; uma faca ensanguentada em sua mão direta)
Por que não posso tocar as estrelas?!
(baixa as mãos, junto ao corpo; anda em direção ao homem ruivo amarrado na cadeira)
À medida que o ponteiro do relógio completa seu curso, se vão as chances de recomeço, se vão os anos de juventude, se vão os grãos de areia do tempo. porém, em meio a tudo isso, há a imutável vontade calada, o desejo mudo de ser grande o suficiente para alcançar o céu, apalpar a noite, rearranjar as estrelas.
MALIS se senta defronte o homem chamado VINCENT
Estas foram algumas das constantes da minha vida por mais de quarenta anos. Eu quis viajar, lidar com o desconhecido, enfrentar o destino anônimo que eu não podia controlar. Por muito tempo, esta foi minha sina.

VINCENT
(respira pesadamente, um olho já roxo, impossível saber que fora azul; uma faca cravada em sua coxa direita)

MALIS
Quando eu tinha seis anos, havia um globo terrestre na mesinha do corredor da sala, logo vizinho ao telefone.
(gesticula como se pudesse tocar a mesa mencionada em sua frente)
Meu pai era um diplomata, e em geral pessoas desta profissão viajam com frequência, mas, minha mãe, Juno, ela odiava mudanças.
(balança a cabeça com desgosto)
Fazer as malas ou pensar no aborrecimento de deixar a casa para alguém cuidar era simplesmente agoniantes para ela, então, ela não viajava. Por consequência, eu também não. Então, toda vez que meu pai ligava, ele perguntava sobre mim, sobre a escola, os amigos, ele tentava ser um pai, uma ligação de 15 minutos por semana, e naquele curto espaço de tempo, as perguntas eram sobre mim!
(começa a rir)
Você tem ideia do quanto isso me deixava furioso? Sir Órion Vitro, viajando por longínquas terras orientais, me perguntando se havia alguma mudança no cardápio da cantina.
(se inclina pra frente)
Sabia que você e ele tem muito em comum?
(balança a cabeça, se levanta e casualmente arranca a faca da perna de VINCENT)

VINCENT
(emite gemidos de dor que são abafados pela mordaça improvisada)

[Alguns espectadores ao fundo soltam risadas, mas rapidamente cessam o riso]

MALIS
Eu, então, marcava no globo o lugar de onde meu pai estava ligando, e onde ele havia estado nos dias anteriores. Quando eu completei 15 anos, o globo já estava todo rabiscado. Em pouco mais de 8 anos, meu pai havia estado em casa o quê? Dezesseis, dezessete vezes? Natal e festas de aniversário, era o que eu havia direito.
(senta novamente, com pesar)
Naquele noite, entrei de mansinho no escritório mal usado do meu pai. Queria pistas, segredos, itinerário, qualquer coisa que me fizesse acreditar que o trabalho de um homem é mais importante que o homem em si. E sabe o que eu acabei descobrindo? Que intenções não valem de nada quando você contrabandeia diamantes internacionalmente!

(soca VINCENT, levando uma talha de carne consigo desse vez)

[Ao fundo, no fim do galpão, dois homens conversam]

VANDER
Não me diga que ele tá dando o discurso do pai dele de novo...

SEBASTIAN
Yep, mas dessa vez, aparentemente ele roubava pedras preciosas. Internacionalmente, um tipo de espião, sei lá.

VANDER
Tá que pariu, qualquer dia desses ele escreve a porcaria de um roteiro e vende.

SEBASTIAN
É, mas sabe o que quer dizer, né?

VANDER
Sim. Ele vai matá-lo.

SEBASTIAN
Total vai matá-lo.

[Do outro lado do galpão a suposição dos dois homens se torna fato]

MALIS
(tenta recuperar o fôlego depois do esforço físico que realizou; estende uma mão em direção a AL, que rapidamente lhe entrega uma toalha)
Dá pra acreditar que eles ainda ousam fazer isso, Al?
(aponta para o próprio rosto, com respingos de sangue)
Eu os criei, treinei, fiz tudo, pra no final... tentarem me passar a perna.

VINNY
É só o que fazem, senhor. Eles tentam.

MALIS
Obrigado, Vinny. Al, arranje outro terno para mim e queime este, sim?

AL
Sim, senhor.

MALIS
Vinny, cuide do senhor Verdi aqui.

VINNY
(anda em direção ao poro inerte na cadeira, recolhe a mão do mesmo do chão, joga tudo no ombro e caminha para a caminhonete)

AL
E a carga, senhor?

MALIS
Defeituosa. Destrua.

AL
Sim, senhor.
(pausa, avaliando o estado de seu chefe)
E Berlim entrou em contato, senhor. Arthur Castell desertou, senhor. Levou consigo a esposa e todos o conteúdo do cofre.

MALIS
Hum...
(termina de limpar o rosto, joga a toalha suja na cadeira)
E a casa?

AL
Sem modificações.

MALIS
Ótimo. Queime-a.

AL
(acena, indicando o caminho para a limusine)

[O galpão é esvaziado]

[Enquanto isso, VANDER e SEBASTIAN saem pelas docas]

SEBASTIAN
O quê? Sem explosão dessa vez?

VANDER
Não estamos na porra de um filme, Sebastian. Agora apague esse cigarro.

SEBASTIAN
Eles poderiam deixar uma trilha de gasolina para eu acender!

VANDER
Ah, pelo amor de Deus, odeio essa fumaça, já falei, apaga essa por—

[Uma onde de explosão vem do oeste. Ambos se protegem atrás de caixas no píer. A onde passa, e o vento traz o calor intenso]

SEBASTIAN
(ri e bate palmas, completamente divertido)
Ha ha, falei, explosão, cara!

VALDER
(se levanta, limpa a poeira do terno e pega chaves de uma lancha)
Vamos, seu idiota. Ainda temos que pegar o resto, e estamos quase sem tempo.
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