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Quem Avisa Amigo É

É oportunidade (privilégio?) para poucos sair 'tempo' suficiente da rotina imposta pela sociedade (para quem estiver disposto a tentar sobreviver nela) e conseguir perceber a realidade que nos cerca além do que os olhos podem ver.

Poucas pessoas não dormem pouco, não tem que acordar muito cedo para estudar/trabalhar, não chegam tarde em casa, não tem um dia exaustivo de sacrifícios. É condição para conseguir pagar suas contas, se alimentar e adquirir bens materiais. E pensar que tantos nem a oportunidade de se submeter a tamanha exploração tem.

Nossa sociedade funciona em torno do consumo. Nascemos, crescemos, nos relacionamos, nos reproduzimos, envelhecemos aprendendo que estudamos para trabalhar e trabalhamos para produzir e consumir, ponto. Tudo gira em torno da produção/consumo de riquezas. Quem foge à regra é louco, marginalizado, excluído, esquecido, apagado, não existe. Viver? Pfff...

Mas o que é trabalho? Vou utilizar aqui o conceito Marxista, segundo o qual, trabalho significa a capacidade do ser humano de produzir meios de vida. O que nos distingue dos outros animais é que vai essa produção vai além da simples necessidade. Nossa espécie tem a capacidade de interferir no meio ambiente para obter aquilo que precisa de maneira consciente, ou seja, racionalmente: ele pensa, planeja, dá sentido a tudo o que faz. Tudo isso aliado à sua subjetividade, que alimenta a construção social.

Com o tempo, o trabalho (leia-se força de trabalho) deixou de servir apenas para satisfazer necessidades e foi transformado em mercadoria, algo a ser vendido com a finalidade de acumular (sim, o excedente é algo valioso). Uma vez que impor o trabalho escravo não deu certo por muito tempo, foi criada essa "alternativa" à exploração, que não deixou de continuar sendo uma obrigação e uma nova forma de trabalho escravo, só que de uma forma mais mascarada. Assim, o trabalho passou a ser uma ferramenta para produzir e acumular riquezas (para os outros, minorias). O homem acaba desumanizado e transformado em "objeto".

"o trabalhador que antes aparecia como sujeito do processo de trabalho, a partir do
momento que esse processo passa a ser gerido pelo capitalista*, incorpora as
características de objeto, transformando-se apenas em mais um elemento do processo
produtivo. Seguindo de perto a análise marxiana do processo de trabalho, pensamos que
essa inversão é o resultado do fenômeno da subordinação do trabalho ao capital, ou para
usar a linguagem do jovem Marx dos Manuscritos de 1844, é o resultado da alienação e
do estranhamento que perpassa o processo de trabalho em sua forma propriamente
burguesa."

*tenho dúvidas sobre este ser o termo mais apropriado, ou se caberia outro mais abrangente.

O que quero dizer com tudo isso? Nós trabalhadores somos cotidianamente explorados até o último suspiro, mantidos tão ocupados que ficamos alienados, passamos pela vida sem vivê-la e acabamos não tendo tempo de perceber a realidade à nossa volta. Não dá tempo de refletir muito, de aprender, de se construir culturalmente, de se construir como ser humano. Nos especializamos e ficamos "burros" sobre todo o resto, alheios. Nem por falta de interesse, mas porque o sistema não nos permite tal oportunidade (privilégio?).

Desde o ano passado, quando concluí minha graduação e passei a ter mais tempo livre, tempo para me interessar, buscar, viver e aprender aquilo que me interessa, além dessa redoma em que somos aprisionados desde que nascemos dentro dessa sociedade. Tive a oportunidade (privilégio?) de ter contato, experimentar, enxergar a realidade, realidade para a qual quase despertei algumas vezes em momentos anteriores, mas que nesse momento específico, não conseguiu me escapar.

Para mim havia algo bem errado no tal "sistema" e tive oportunidades raras, oportunidades essas que muitos não tiveram, de acessar informações, através da educação (a qual tenho - muitos tem - muitas críticas, afinal, é limitada e moldada para se obter o "produto" desejado pelo tal sistema), e poder desenvolver minha inteligência, sabedoria e senso crítico.

Então me aproximei e conheci os movimentos sociais, e me envolvi, me engajei, e tomei para mim como algo que farei pro resto da vida. Eu achava que odiava política, mas realizei que estava enganada, eu amava política, pois antes não sabia do que se tratava. O problema é que ela não está sendo feita da maneira correta. Afinal, não é a maioria que decide o que quer e o que não quer para nossa sociedade. Uma minoria impõe suas vontades e tudo aquilo que a beneficia, mascaradamente, fazendo-nos acreditar que assim o é, que somos nós.

Nos últimos dias houve votações, para definir o orçamento para o município em 2015, na Câmara Municipal de Natal (CMN). Votações extremamente importantes foram feitas. Não havia propostas satisfatórias para a saúde, por exemplo, de modo que mesmo salários não seriam garantidos. Para a educação não havia verba suficiente para reformas inadiáveis nas escolas. Ao mesmo tempo, tentaram reduzir a verba para a iluminação natalina para aplicá-la em iluminação pública em locais com extrema urgência; Em vão...

Quando as mídias veiculam esse tipo de notícia, a população está cansada, não tem tempo, não quer saber, não os condeno, também pensava assim, até perceber que se você não faz tudo o que pode para ser ativo politicamente, alguém decide por você, e você perde o direito de criticar e alimenta o vício de uma minoria.

Recentemente, semana passada, Natal sediou mais um evento do carnaval fora de época, o Carnatal. E adivinha? A prefeitura tinha dinheiro pra ajudar a financiar um evento tão caro, tão importante. Também tinha dinheiro para financiar o Natal em Natal, igualmente mais importante que todo o resto. Também teve dinheiro para ajudar a financiar a Copa do Mundo aqui em Natal. Essa mesma prefeitura continua sem ter dinheiro para o resto da população e suas necessidades básicas tais como saúde, educação, segurança e transporte, todos sucateados. Sempre haverá dinheiro quando quem se beneficia é quem tem o poder, os ricos.

Aproveito para convidar a todos a assistir a peça de Clotilde Tavares, "Lamatown",  parte integrante da programação do evento Natal em Natal, disponível em locais e períodos distintos da cidade durante o evento, Inclusive acredito que estará disponível após o mesmo, não deixem de conferir, tem total ligação com o que coloquei aqui hoje.



Fontes:

http://filosofia.uol.com.br/filosofia/ideologia-sabedoria/42/trabalho-como-conceito-filosofico-nas-paginas-dos-manuscritos-economico-filosoficos-290788-1.asp

http://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/Kinesis/6_RenatoAlmeidadeOliveira.pdf

https://petsofiaufba.files.wordpress.com/2012/12/moura-gedec3a3o-o-conceito-marxiano-de-trabalho.pdf
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