randon

Bicho-Papão: Evangélicos, Gays e a prática da empatia.




"O mundo me plantou uma semente que só gera frutos ruins. As flores ao redor sempre mentem, sobre como se manter assim...Mais do que todas aqui, tão lindas no jardim..." 

Nando tinha acabado a mudança. Sua nova casa estava perfeita exceto por um ninho de marimbondos na lateral esquerda. Eles eram dois caras com sorte de viver no século 21 e estarem juntos tranquilamente. A casa estava em paz...

Dias depois, sua família preocupada veio lhe avisar que havia um homofóbico nas redondezas. Um homem rústico, agressivo. "Dá até tiros pra cima" segundo as pessoas.
"Cuidado, ele mora na sua rua e é louco"
"Ele é um homem antigo e conservador do bairro, pode ser que infernize sua vida"
"Se ele descobrir que tem gays na vizinhança, não vai gostar... cuidado!"

Bem, a imagem de bicho-papão estava pintada. Nando ficou aterrorizado, claro. sabia que mais cedo ou mais tarde, esse monstro ia dar as caras.

Na segunda semana, ele recebeu uns amigos. Um deles estava de moto e a deixou na frente da casa. Depois de conversas, risadas e bebidas surge no portão um homem, grande, meio gordo, careca, usando um chapéu de vaqueiro e expressão desvairada. Seu olhar arregalado observando as pessoas na área deixava claro que aquele cidadão não tinha nenhum trato social.

"Se essa moto ficar aqui vai ser roubada!" Disse ele.

"Pois não... quem é.. o senhor?" Perguntou Nando.

"Gerônimo! Se deixar aqui fora, levam mesmo viu. Moro aqui há 12 anos, sei como é. Bote pra dentro!" Disse o homem com uma voz que parecia dar ordens ao invés de ajudar.

"... E onde o senhor mora?" Perguntou Nando temendo a resposta.

" Sou seu vizinho do lado!"

A partir daquele dia, Nando sabia que, provavelmente, sua vida de casal que mal tinha começado naquela nova casa, já estava com os dias contados ...

Dias depois... Nando vai ao mercado da rua, e a atendente, faz uma fofoquinha:
"O Senhor Gerônimo está incomodando muito vocês? Já pedi pra ele para de se incomodar, vocês são jovens de outra geração, não tem pra que ele vir aqui ficar falando de vocês. Você sabe que eles são evangélicos né? Ignore."

Nando se sentia mais acuado e cercado.

Durante a noite: sons de pancada nas paredes, cães e crianças chorando tomavam conta da casa vizinha e Nando junto com seu companheiro ficavam atônitos e calados... imaginando o que poderia acontecer na casa ao lado, que mais parecia uma masmorra de torturas.

Uma vez subiu pra mexer na antena da TV e acabou vendo o quintal do vizinho. A mulher dele estava lá e disse. "Não olhe pra cá, Gerônimo não gosta!".

QUE SITUAÇÃO DIFÍCIL!

Mas um belo dia... o jogo começou a virar...

Nando vinha para casa de uma farmácia distante pois foi comprar remédios pro seu parceiro. E no meio do caminho um suposto vizinho, que conhecia de vista, ofereceu carona.
Nando aceitou apesar dele não lembrar exatamente a última vez que se falaram.

O homem começou a dar em cima de Nando.
Conversa vai, conversa vem, uma mão na perna.
Conversa vai, conversa vem, uma ambiguidade...

Nando resolveu descobrir logo do que aquilo se tratava.

"Você curte homens é isso?" Perguntou.
"Sim e você?" Disse o estranho.
"Bem... eu sou praticamente casado."

"AH!VOCÊ É CASADO? ÓTIMO!  PODEMOS SER AMIGOS E QUEBRAR O GALHO UM DO OUTRO NESSE RAMO. VOCÊ TEM MININU? VAMOS MARCAR UM CHURRASCO. EU LEVO OS MEUS E MINHA MULHER. NINGUÉM NUNCA VAI DESCONFIAR...
SABE AS VEZES EU COMO O PASTOR DA MINHA IGREJA. ELE É EX TRAVESTI, SÓ NÃO ROLA MAIS PORQUE ELE É MUITO AMIGO DA MINHA MULHER, AI FICO NA NECESSIDADE.

Nando se esforçava pra não demonstrar que estava com a cara no chão.
Mais que isso, ele sabia que ele estava diante do tipo de homem que comete crimes homofóbicos para esconder suas travessuras sexuais. Enquanto ele contava sorrindo sobre sua vida "espiritual e sexual" enquanto o carro passava pela frente da casa do Gerônimo.

"Pode parar aqui. Obrigado pela carona!" Disse Nando.

"Vai descer aqui? Você conhece o Gerônimo?" Essas palavras deram a Nando um insight.

"Só de vista... Você o conhece? É...Amigo dele?"

"Sim de muito tempo."

"Ele curte?" Perguntou Nando, malicioso.

"... Não sei." Disse o homem, e as palavras soaram tão falsas quanto a família e o casamento dele.

"Tudo bem, me ligue depois." Nando deu ao estranho um telefone falso e nunca mais viu o infeliz.

Eles se questionava por que era tão tentador descobrir as raízes do comportamento do seu vizinho bicho-papão e bolou um plano...

Domingo.

Dia de limpar o jardim... dar banho nos cães. Nando viu o maldito ninho de marimbondos.
Estava só de short. Deixou que a água caísse sobre seu corpo e molhasse o tecido que tocava sua pélvis. Como uma boa beesha do século 21, ele tinha sido dançarino na escola, sabia dar ênfase a certas partes do corpo com seus movimentos. Com a coragem de uma leoa, Nando tocou na campainha do senhor Gerônimo.

"Diga!" O grosseiro homem surgiu dizendo.

"Ai, senhor Gerônimo. Estou tendo problemas com um ninho de marimbondos... Sabe, eu morro de medo e estou sozinho. Você teria algum inseticida pra eu poder enfrentá-las?" Disse o garoto, sonso.

Gerônimo olhou seu vizinho mais jovem dos pés a cabeça. Bruto e de pouco traquejo social, não conseguia disfarçar o desejo nos olhos percorrendo o corpo molhado do homem mais jovem.
Nando riu dentro de si.

"Eu vou lá e mato pra você!" Disse ele por fim.

Em cinco minutos, Nando estava sozinho com o vizinho que tanto havia lhe causado medo durante meses. O olhar desatento do mais velho secava o garoto dando ao mais jovem o controle total da situação. Nando se movia debilmente afim de promover sempre o melhor angulo para seu vizinho.

O lobo mau havia virando uma pequena lebre diante de uma serpente.

Nunca ocorreu nada entre os dois, mas a partir daí, Gerônimo se tornou cada vez mais solícito, inclusive levando para o casal gay, churrascos, bolos e outras guloseimas no fim de semana.
A relação mudou bastante. Nando inclusive fez amizade com sua mulher, filho e cães também.
Ele compreendeu as raízes das primeiras reações de aversão do seu vizinho e se permitiu sentir compaixão pelo homem.
Com sua turma jovem, festas liberais, amigos gays e estilo de vida contrastante com o do bruto homem, Nando entendeu que, a priori, também foi o bicho-papão dele.
Viu a hipocrisia e as sementes ruins da sociedade germinando a olho nu.
Grandes muralhas escondem grandes fragilidades.

As poucas vezes que foi na casa dele, descobriu que ele construía casinhas e outras coisas pros animais que criava, daí vinham os barulhos, e seus cães choravam quando sua mulher não estava em casa ou quando ficavam no quintal.

Fora as alegrias que teve na casa, o senhor Gerônimo foi a única coisa daquela rua que deixou saudades.

Eu sei, sei... parece ficção.

#sqn





Próximo
« Anterior
Anterior
Próximo »