Por quanto tempo uma pessoa pode ignorar o medo o suficiente para ser capaz de se mover?
Em um desses debates sorrateiros na calada da noite, me deparei com essa questão. O mais preocupante, porém, não é a consciência de que eventualmente teremos que utilizar esta artimanha sobre-humana, mas sim a determinação em acreditar que esta é somente uma ação que surge numa situação atípica, uma exceção à regra do cotidiano.
Ninguém gosta de viver sob o terror de não poder ser si mesmo, ou a desesperança de não ter o poder de sobreviver de outra forma. O quão devastador é se deparar com as consequências de não-ações, não-reações, não-ser quem você sabe que é, tudo por não-aceitação ou desconfiança nas tramas do futuro?
O inevitável não é aquilo que não fomos capazes de prever, mas sim que fomos inferiores para impedir de acontecer. O crescimento moral, psicológico, instrucional, tudo faz parte de um quebra-cabeça maior, aquelas peças de um céu azul que não sabemos onde encaixar, mas que irá encontrar seu lugar de forma inesperada e estupidamente óbvia.
O âmago do medo não está na palavra, no fato ou no contexto, está em nós. Quando paramos pra pensar nas complexidades que existem por causa do que sentimos e do que escolhemos expressar, torna-se claro o que é preciso ser feito para tal fenômeno parar de ocorrer. O problema da claridade, o problema da solução, é que ela é simples, mas não é fácil.
"A pessoa com que eu estou no momento não me faz feliz, mas ainda assim eu a amo. O que eu faço?"
Sabe, as perguntas mais angustiantes que fazemos às paredes ou em fóruns anônimos online já contém as suas respectivas respostas. O fato é que ninguém possui a chave-mestra da felicidade, muito menos da porta que te afasta do medo, além de você mesmo. Antes de fazer a pergunta, antes de formular a questão, antes de admitir o problema, você já conhece a dor da claridade, já fez amizade com o transtorno da consciência, mas não tem intimidade alguma com a determinação. No final, depois de tudo, você escolhe o que é cômodo e rotineiro, ignorando o problema até que ele se torne parte da decoração.
O ponto seguinte — ao tornar-se ciente destes fatos inquietantes — é saber qual é o sinal de mudança. Se não for por escolha sua, será muito pior. O clássico exemplo: se duas pessoas seguram um elástico, a primeira a soltar pode andar livremente, viver em paz com sua decisão, mas a pessoa que ficar, a que esperou e se iludiu tanto, esta terá os sonhos ricocheteados e as mãos inertes. A primeira ação — ou primeira reação depois de muito tempo de falsa consideração — é o que acaba contando, é o que todos ficam angustiados ao lembrar, aliviados ao superar.
Em uma posição tão invejada quanto o da pessoa sem medo, fica difícil saber o que mais pode-se querer. A desilusão será grande o suficiente para impedir que novas chances sejam aproveitadas? Ou o desperdício do tempo será a alavanca para decidir não se preocupar mais com a antiga decoração?
Se nós fossemos um quarto, o medo seria a cortina da janela, a poeira do assoalho, a cadeira cuidadosamente colocada contra a porta. Quando considerar o que estas coisas tem em comum, procure saber qual é a sua pergunta, qual é a questão martelando na mente, e talvez, se você for uma dessas pessoas com ausência de clareza, se você for uma equação mal resolvida, você poderá ver o padrão do medo, a sequência dos conflitos, a orquestra do quarto. Nesse momento, você poderá ignorar quaisquer sons, sinais de interrogações, pendências anotadas em rodapés negligentes: o que realmente importa é a escolha da visão, a possível mudança que irá surgir com esse novo pensamento, o abandono da complexidade que impomos uns aos outros.
Depois de tudo, não há como voltar ao que era, ao que foi escrito, lido e gravado. Palavras marcadas na pedra podem tornar-se ruína, sussurros são desmascarados à luz do dia e planos podem ser desfeitos segundo a sua vontade. Seja para um bem ou mal imediato, a inércia causada pela previsão é destroçada, as promessas feitas a si mesmo são alteradas, e finalmente é possível ter essa tão esquecida e enterrada liberdade, essa singela porção de felicidade; a liberdade do medo.

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