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Assédio Sexual e Cultura da Mulher Objeto

Jamais esquecerei a primeira vez que tenho consciência de ter sofrido assédio.
Foi de um menino que estudava com meu irmão. Estávamos dentro do ônibus voltando pra casa, eu estudava na quarta ou quinta série na mesma escola. Ele havia dado em cima de mim por muito tempo e neste dia foi tão ofensivo que vi necessidade de dar um basta e ele tomou um fora.
Acho que não ter dado o fora antes deu margem pra entender que eu estava gostando. O problema é que começou a invadir meu espaço.
No mesmo instante ele começou a me humilhar publicamente, como? Listando que meu biotipo estava fora dos padrões de beleza aceito pelos meninos. Foram alguns dos minutos mais longos da minha vida. Eu tinha só 11 ou 12 anos. Enfrentei ele firmemente até descer do ônibus. Quem viu não deu importância; duas crianças.
Assim que desci não segurei o choro. Nem entendia direito porque me senti tão mal. Contei pros meus pais, que levaram à direção da escola e o menino foi advertido.
Antes e depois desta, houve muitas outras. Não importa a idade, nada importa, basta ser mulher.
Eram brincadeiras depreciativas, o que menina e menino pode e não pode, sempre privilegiando um gênero, cantadas ofensivas, como você (menina, moça, mulher) deve agradar, cuidado pra não ficar "falada". Todas as reproduções possíveis do machismo.
A partir do momento que tomei consciência das agressões, não físicas e sexuais, mas as verbais, morais e psicológicas, dirigidas a mim ou a outras mulheres, sofri muito mais. Ódio era o que surgia dentro de mim. Uma criança. Sem levar em conta as agressões aos homossexuais e aos negros, que me faziam passar mal e eu também não entendia por que faziam aquilo. Não fazia o menor sentido pra mim.
Continuei detestando tudo aquilo, mas aprendi a me controlar, a me calar. A sociedade ensina que faz parte e você não pode mudar.
Sempre fugi da necessidade que impunham de preencher os requisitos e ser um estereótipo para ser aceita. Fazia questão de ser eu mesma ou até de me enfeiar. Me tornei a "revoltada", "anti social". As pessoas podem ser e são bem cruéis com quem resiste. Mas um dia resolvi ficar mais bonita, me cuidar e ganhar peso.
Entrei na academia. Ganhei peso muito rápido, começou a chamar atenção. O assédio em locais públicos se multiplicou e surgiu por parte de conhecidos que nunca tinham se manifestado antes.
Eu estava me sentindo ótima com meu corpo, mas ao mesmo aquilo começou a me incomodar.
Estava quase desistindo de continuar. Um dia fui malhar um pouco tarde e fui uma das últimas pessoas a sair. O professor e dono se aproveitou da situação, me distraí com o último exercício e quando dei por mim, estávamos a sós. Sofri mais um assédio. Poucas vezes tive tanto medo na vida. Pela primeira vez tive medo de ser estuprada. Eu queria chorar, correr, morrer, mas tive que fingir que nada estava acontecendo pra tentar evitar o pior. Eles ficava próximo demais de mim, quis sugerir um exercício de posição vulnerável em que era preciso me ajudar pra que eu conseguisse fazer. Curioso, por que nunca fez menção antes se era tão bom?
Não recordo de maneira alguma como, consegui fazer a gente sair da academia, mas ele ofereceu uma carona. Estava com tanto medo que aceitei. Era isso ou andar um quilômetro sozinha no breu da avenida com muito mato às 22h. Estava em pânico.
Fui levada até em casa, ele dirigiu bem de vagar. Era evidente que ele só enxergava que eu estava cedendo: fiquei até tarde, "me distraí" e fiquei por último, fiz o exercício sugerido sem falar nada, aceitei a carona, em momento algum eu resisti. Só podia ter sido de propósito, né? Na minha cabeça resistir, dizer não, na cabeça de qualquer homem era dizer sim! E consentir achei confundiria... Foi assim que aprendi com amigos e homens em geral. Eu ansiosa pra sair e correr do carro e entrar em casa. Que angústia.
Na minha cabeça passavam milhões de coisas horríveis que poderiam ter acontecido.
Quando entrei em casa estava em choque, minha mãe percebeu na hora e correu pra saber o que estava acontecendo, nós duas começamos a chorar, ela nem sabia o que era, então me abraçou e eu consegui me acalmar e contar.
Tive e tenho a sorte que muitas não tiveram e nunca vão ter. Meus pais em nenhum momento duvidaram de mim e me apoiaram.
Fiquei dias, semanas em choque. Quando encontrei meu ex namorado chorei e quase não consegui contar de vergonha, eu me sentia culpada. Quando finalmente tive coragem e contei, ele quis "me" defender (até hoje não tenho certeza se estava cuidando de mim ou do orgulho ferido dele), foi tomar satisfação, mas ficou claro que estava desconfiado de mim e do que lhe contei. Eu achei que ele ia matar o cara. Depois disso acho que nunca mais confiou em mim.

                                                                             * * *

Vivo um aprendizado contínuo, e hoje me defendo melhor e não tenho tanto medo. Sou eu mesma e percebo onde e quando posso, devo ser eu mesma plenamente.
Apesar de ter sentido vergonha e culpada, hoje sei que nada disso é verdade. Fui vítima, sou vítima, todas nós fomos, somos e seremos. Nossa sociedade machista alimenta a ideia da mulher objeto desde que se nasce, cotidianamente, constantemente, através de todos os meios e formas possíveis. Seja na propaganda com apelo sexual, nas brincadeiras "infantis", nas relações e atividades domésticas, na escola, no trabalho, nas relações afetivas românticas, nas ruas. É uma cultura silenciosa que existe para desvalorizar e poder explorar a mulher.
É isso que faz o homem pensar que tem o direito de tratar a mulher como objeto, porque ele cresceu aprendendo isso e reproduz. As próprias mulheres fazem isso sem notar. Mas isso NÃO É INATO e além de mulheres, obviamente, há homens que lutam contra o machismo, o próprio machismo e tentam ter consciência e evitar reproduzi-lo.
Não aceite sequer imaginar que tudo isso dá o direito de qualquer homem te agredir, seja de que maneira for, nem com um olhar.
Tome consciência! Unam-se, fortaleçam-se mulheres! Só você, mulher, sabe o que passa e ninguém pode te fazer duvidar disso.

Links relacionados:

http://www.propagandashistoricas.com.br/2014/01/dez-propagandas-historicas-machistas.html

http://obutecodanet.ig.com.br/index.php/2009/08/13/os-10-anuncios-publicitarios-mais-machistas-do-passado/

http://www.papodehomem.com.br/como-se-sente-uma-mulher/

https://www.youtube.com/watch?v=PTlmho_RovY

https://www.youtube.com/watch?v=Uy8yLaoWybk

https://www.youtube.com/watch?v=C7143sc_HbU

https://www.youtube.com/watch?v=atl0K7YpbpM
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