A
noite é quente e sem vento, seria até agradável se não fosse por esse mal estar
geral que se abateu em todos da vila, por alguma razão todos estavam tristes e
sem ânimo, nem um homem conseguiria levantar seu membro viril, mesmo que
precisasse usar. Os animais estavam em um alerta silencioso, como se esperando
pelo que iria acontecer. Os cães encolhidos, com os rabos entre as pernas e
orelhas baixas. Os gatos, em sua elegância sobrenatural, subiam no cômodo mais
alto da casa e procuravam sentir o silêncio no ar. Tentando capitar um som
surdo, o som do vazio se aproximando. Nada nem ninguém ousava quebrar aquele
silêncio agourento, excerto talvez algumas corujas que ao longe piavam.
Ninguém
teve ânimo para beber. Todos achavam estranho aquele clima incerto, os mais
supersticiosos conversavam em sussurros, conjecturas do fim dos tempos, temendo
o futuro e o que estaria por vir. Isto seria a calmaria antes do grande cataclismo.
Já tinha acontecido uma vez há muito tempo, quando a lua laranja brilhou no Céu
de dia.
O
silêncio só foi quebrado quando um barulho surdo e distante chamou a atenção de
todos, duas grandes vibrações no ar é sentida. As ovelhas, cavalos e vacas,
todos mugiram ao mesmo tempo por um longo período, em seguida, uma debandada
geral de todos os animais. Todos deixaram a vila da maneira mais rápida
possível, apenas os cães e gatos, animais que amam seus donos, permaneceram em
suas casas, os cães rosnavam para a porta, e os gatos mostravam os dentes e
chiavam para algo que estava sobre o teto. Logo em seguida o som de asas
realmente grandes é escutado por todos. Um enorme animal sobrevoava a pequena
vila, talvez um dragão ou uma ave gigante. Ninguém teve coragem de sair durante
esta noite de lua sorridente sem nem uma nuvem no céu. A sensação era como se
alguma coisa muito poderosa os estivessem observando, querendo destruí-los, mas
impedido por alguma força ainda maior do que esta.
Se
tivessem saído naquela noite, teriam visto que um grande incêndio banhava todas
as montanhas ao leste, clareando o céu noturno de outono. Aqueles poderosos
olhos perduraram por alguns minutos, mas pareceram longas horas, e quando o som
de asas batendo já estava tão longe que apenas um gato poderia escutar, alguns
homens tiveram finalmente coragem para pegar suas armas. No entanto, sair e encarar
aquela noite, ninguém iria. Todos dormiram com armas perto de suas mãos, para
caso o fim da existência viesse a acontecer, eles estariam preparados para pelo
menos lutar e provarem-se dignos de seus ancestrais.
E
assim ficou a noite desta vila.
Pelo
menos até a noite chegar em sua plenitude, quando os seres noturnos podem andar
sem qualquer impedimento, foi que um outro barulho é ouvido. Os passos pesados
e a respiração ofegante do que parecia ser um estranho viajante ou assombração.
Por sorte era o barulho de apenas um, mas ele se dirigia a cada casa, tocando
em suas portas, não batendo nelas nem pedindo nada, apenas parava em frente por
alguns segundos e depois partia para outra casa.
Até
que finalmente... chegou à casa da curandeira. Ela vivia sozinha com sua filha de
apenas um ano de idade, seu marido morrera há mais tempo e diziam que o bebê
não possuía alma, pois seus cabelos eram brancos como a neve. No entanto
Viviane, o nome da curandeira, era muito respeitada e ninguém tinha coragem de
dizer isto em sua cara, mas ela ainda assim ouvia as fofocas. E depois deste
dia, ela iria ser considerada a pessoa com maior poder em toda a vila, pois ela
foi a única pessoa que não se abalou com este misterioso visitante e quando ele
tocou-lhe a porta. Ela gritou, segurando sua filha.
-
Seja lá o que estiver aí fora, diga o que és e o que queres... Se tem intensões
boas ou ruins!
Para
sua surpresa e espanto, a voz que vinha do lado de fora era tão cristalina e
tão bela, era uma voz cansada de uma mulher que carrega um enorme fardo como
responsabilidade, sua voz carregava um sotaque estranho. Ela não precisaria
dizer suas intenções, pois sua voz já transmitia todas elas antes mesmo de
concluir sua fala.
A
porta que estava trancada por dentro abre-se sozinha e lentamente, como se as
trancas nunca antes tivessem existido naquela realidade. A viajante se apoiando
em um cajado entra devagar, mancando, mesmo sem permissão da dona da casa, logo
não era uma aparição ou uma criatura da noite, pensou Viviane.
-
Peço perdão pela porta, mas trago comigo dores e sofrimento, feridas e
hematomas, fome e sede... Mas também não tema, pois de tudo que trago nada
permanecerá em sua casa se por uma noite me abrigar... Quem estava me
procurando já voltou seus olhos três vezes para esta casa antes de eu aparecer,
ele não voltará pela quarta vez.
Depois
de falar isto, a mulher tomba. Só então Viviane parece sair do encanto de ver
quem não esperava conhecer e corre até a viajante. Com muito esforço a coloca
em sua cama. Ela estava completamente molhada de sangue e suava muito. Por
baixo de suas belíssimas roupas escuras de viagem, a mulher trajava uma rica
cota de malha de trançado perfeito, de um metal parecido com a prata, sendo que
mais duro que o próprio aço. Também portava armas. Uma belíssima espada, tão
leve e tão poderosa que ate mesmo Viviane, que não conhecia absolutamente nada
de armas sabia que era uma perigosa arma, afiada a tal ponto que cortaria
facilmente qualquer metal que tentasse oferecer resistência e era tão leve que
não parecia ter mais do que dois quilos, impossível para uma espada tão grande
quanto aquela. A viajante carregava uma algibeira simples e uma mochila de
viajem extremamente pequena, estranha. Ela só poderia ser uma Nobre do Povo
Honesto.
Mas,
sendo do Povo Honesto ou não, a mortalidade parecia-lhe tão tangível quanto a
qualquer humano, a pele de seu rosto estava tão pálida, seus cabelos negros
luminosos estavam perdendo a cor. Estava morrendo, aos poucos, mas estava. Tão bela
tendo um final tão trágico. Parecia para Viviane, curandeira experiente, que
sua convidada fora envenenada. Mas quem e o porquê? Isso lhe causava medo,
talvez tenha sido um Quebrador de Promessas ou uma Ladra dos Mortos que a
atacaram. Nunca iria saber, a não ser que a fizesse viver, mas o sangue corria
pelas feridas como se o lugar dele nunca tivesse sido dentro do corpo da Elfa,
mas sim do lado de fora.
Viviane
não conhecia nem uma erva, nem uma poção ou trabalho que pudesse ajudá-la, não
sabia qual veneno e não sabia se as ervas funcionavam igual no Povo Honesto.
Muitas horas passou e pareceram minutos, de repente o quebrar da barra já se
anunciara e no outro momento, o sol já estava lá no alto junto com o canto dos
pássaros.
A
viajante acordara momentos antes do quebrar da barra, chamou Viviane pelo nome
como se fossem amigas de muitos verões, implorou para que abrisse as portas e as
janelas, para que os raios do sol nascente tocassem-lhe o rosto. Viviane
esperou ver magia feérica. Mas o que viu foi, ou melhor, o que escutou foi:
-
Tome cuidado com o que tem dentro da algibeira, nunca permitam que a abram,
esconda-a em um lugar seguro, não jogue ela no rio ou no mar, não deixe ela
molhar. Minha mochila e tudo o que há dentro dela, ficam como presente para teu
senhor. Se perguntarem por mim, diga apenas que segui o Caminho do Poente. Hoje
haverá neblina pesada, não tema, me leve ao mais distante vale ao Norte que
suas pernas podem te levar e me enterre junto de meus objetos. E por último,
traga essa centelha de vida tão bela que vejo em teu colo para mais perto de
mim... Neste inverno uma moléstia irá vim para ceifar todas as vidas desta vila
e um sacerdote do deus morto para leva-lhes suas almas, mas dou-lhe minha
palavra que se no sétimo dia você for visitar meu túmulo, encontrará a mais
bela de todas as árvores, coma o fruto que cresce dela, quando voltar, a
moléstia terá ido embora, mas antes de partir, expulsem o homem do deus morto,
ele é mal. E para a pequenina, sua filha, dou-lhe um nome que apenas eu saberei
qual é e para sempre será guardado. – sussurrou o nome de tal modo que apenas a
criança escutou. E depois dormiu.
Quando
seus olhos fecharam, as lágrimas corriam nos olhos de Viviane, o bebê sorria e
o sol brilhava imponente no alto, o
barulho dos pássaros já acordara todos da vila de seus pesadelos noturnos. Todo
o medo da noite passou e agora o ar estava leve e alegre, todos estavam felizes
mais uma vez, quase esquecendo do pavor da noite. A alegria era tanta que mesmo
quando a misteriosa neblina surgiu às oito da manhã, não causou espanto nem
medo em ninguém. Na verdade todos esqueceram por um dia que eram adultos e
brincaram e gargalharam junto.
Dizem que foi neste dia, que várias arcas com moedas de ouro e prata foram encontradas na porta da casa do senhor da vila. E quando este inverno chegou trazendo junto consigo um homem de preto se dizendo servidor do deus morto, o senhor daquelas terras não lhe deu ouvidos, pois ele confiava enormemente em Viviane e mandou enxotar aquele enviado da perdição sobre uma chuva de paus e pedras. E quando a moléstia profetizada surgiu, era em meio ao período de tempestade de neve, mas ninguém morreu, pois Viviane tinha juntado toda sua bravura e ido visitar o túmulo da Misteriosa Viajante. Encontrara a árvore da vida e comera seu fruto.
Dizem que foi neste dia, que várias arcas com moedas de ouro e prata foram encontradas na porta da casa do senhor da vila. E quando este inverno chegou trazendo junto consigo um homem de preto se dizendo servidor do deus morto, o senhor daquelas terras não lhe deu ouvidos, pois ele confiava enormemente em Viviane e mandou enxotar aquele enviado da perdição sobre uma chuva de paus e pedras. E quando a moléstia profetizada surgiu, era em meio ao período de tempestade de neve, mas ninguém morreu, pois Viviane tinha juntado toda sua bravura e ido visitar o túmulo da Misteriosa Viajante. Encontrara a árvore da vida e comera seu fruto.


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