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Capitulo 1 – O sonhar




O sonhar é um lugar de possibilidades e não de segurança e felicidade. É certo que a felicidade pode ser encontrada lá, tanto no corpo quimérico de pura magia ou na sutileza de um vento ancestral que guarda recordações dos tempos antigos. No entanto, é também no reino dos sonhos que o mais macabro pensamento ganha a forma: o contorno e o volume de terror absoluto. É no sonhar que moram os pesadelos e os sonhos.

Sempre que alguém sonha com força de vontade suficiente e crê que seu sonho exista realmente, este sonho passa a ter sua existência no sonhar como uma quimera que tem conhecimento de sua existência. Dizemos que estas quimeras são as mais puras e mais preciosas, dizemos que elas tem força de vontade própria. Essas são quimeras poderosas que só são destruídas - um crime imperdoável - quando seu sonhador perece para as forças da banalidade fria do mundo novo, que é quando se deixa de acreditar em fadas, assim enfraquecendo a vontade de existir da quimera. Só então é possível destruí-la para toda a eternidade. Ou até que ela seja sonhada com tanta força mais uma vez.

Seja qual for seu sonho, se você acreditar nele com força o suficiente, ele passará a existir como quimeras e será tão forte e tão nobre no sonhar que todos o honrarão. As quimeras com força de vontade, que são tão fortes quanto as lendas, vivem no Sonhar Profundo, que é um reino do sonhar e que se existisse trilhas fixas e confiáveis com placas bem sinalizadas, existiriam três. O caminho da direita seria para o sonhar raso. O caminho da esquerda é o que leva ao reino do pesadelo. E o caminho do meio é o que leva para o reino dos sonhos esquecidos. O Sonhar Profundo fica além - muito além - da foz do Rio do Esquecimento, entre o pesadelo e o sonhar raso, pegando à direita no Vale de Lagrimas, entrando e se perdendo e na profunda e densa bruma de Avallom e se encontrando nas belas praias do Oceano de Medo. Ali, bem no cantinho mesmo, entre o sargaço e as pedras pontudas, existem algumas pedra redondas que se chamam pedra buchuda, quando a Maré Vermelha subir três vezes mandando ondas de vinho amargo, surgirá de baixo da pedra buchuda em cor azul anil um caminho. Está é uma trilha que leva ao Sonhar Profundo. E quem me falou isso foi Tahir, um velho negro viajante que me contou essa história.
Ele também contou que Arcádia fica em algum lugar distante no sonhar profundo.

É nesta trilha que nossa história começa. É sabido que nossa história começa com a reverberação do clímax da última aventura. Tudo o que Lilith se lembra é de pegar uma grande espada de lamina negra, ela empunha a espada contra algum perigo, mas que perigo é este ela não se lembra.

O que importa agora é que acontece agora, Lilith está voando no céu azul muito acima das nuvens cinzas de tempestade, os raios competem entre si para saber quem é o que consegue se espalhar mais distante. Enquanto Lilith voava, os Djins feitos de nuvens e vento, a cumprimentavam, mas como ela passava muito rápido, não tinha nem como ela retribuir a cortesia. Para sua sorte, os Djins são inteligentes o suficientes para saber que a pobre coitada não estava voando por vontade própria e que ela não conseguiria parar e retribuir a cortesia e tomar chá feito do orvalho da manhã com eles.
- Que céu bonito, mas por que estou voando? Eu sei voar? O que aconteceu antes? – eram pensamentos frequentes enquanto a pequena garotinha de cabelos longos e azuis ainda voava.
Uma Djin de cabelos lindos e cacheados e de olhos profundos sentiu a dúvida da pequena garota e resolve ajudar, mas como é de hábito de todo Djin, ela apenas concedeu parte de sua sabedoria e fez apenas a memória mais recente voltar, o resto a Djin guardou em uma pequenina esmeralda, pois aquilo iria valer influência. Os sábios de meu povo sempre me diziam para nunca pedir a ajuda de um Djin, pois eles sempre iram lhe ajudar, mas em contra partida eles pegaram de você algo de valor, até que você pague sua dívida.
- Da próxima vez que passar por aqui, nós conversaremos sobre o resto de suas memórias! – gritou a Djin.
- Tudo bem! – respondeu Lilith sem saber o que estava respondendo.

Sua memória mais recente foi a de uma explosão de fogo em câmera lenta, as chamas se propagam em uma velocidade tão lenta, que se uma pessoa for suficientemente rápido, ela conseguiria correr da explosão até mesmo se o seu epicentro fosse de baixo de seu pé. No entanto Lilith é uma criança de cinco anos que corre com pernas de uma criança de cinco anos, por isso sua velocidade não é tão grande e as ondas de choque proveniente da explosão a atinge e a joga para o ar, saindo pelo portal que leva para a trilha do Sonhar Profundo.
-hmmm. Então é assim que eu comecei a voar! – e então só depois de uma hora a inércia começa a perder a força e ela começa a cair, atravessa as nuvens de tempestade e sai do outro lado, mas a sensação de cair entre os relâmpagos era como se estivesse subindo e não caindo, mas ela estava caindo. O chão parece tão distante, mas rapidamente ele vai se aproximando bem rápido. A queda foi tão rápida, que quando Lilith percebeu que estava caindo, já era tarde demais – então estou caindo e não voando – por sua sorte Camili estava bem ali e amorteceu seu impacto no chão, senão, com certeza ela teria morrido. Camili é uma incrível árvore de poderosos galhos, no entanto eles não resistiram ao impacto de Lilith, apenas um galho foi duro o suficiente, foi esse o galho que bateu na cabeça de Lilith e a fez perder mais uma vez a memória recente e a perder a consciência. A chuva torrencial cai e Lilith dorme protegida por Camili, a maior árvore conhecida.

E só acordou dias depois, quando uma linda raposa vermelha, que veste uma bela armadura de placas de aço e carrega em suas costa uma alabarda, a fareja sem saber se aquilo era uma garotinha de cabelos azuis ou uma quimera garotinha de cabelos azuis que dorme de baixo da maior árvore conhecida. - hmmm, eu estava indo, ela não estava aqui. – ao escutar a voz doce da linda raposa vermelha, a criança toma um susto e grita, mas seu grito foi abafado pelo som dos trovões que brincam nas nuvens de tempestade, a chuva torrencial que cai também tem sua parcela na culpa de abafar o som do grito da garotinha. Mas devo admitir, uma raposa em armadura reluzente não é uma coisa que se vê todos os dias. Por fim e ao escutar o grito abafado da criança, a raposa percebe que ela é uma garotinha e não uma quimera de uma garotinha.
- Olá pequena grande e feia criança, o que faz dormindo nesta chuva, não sabia que pode pegar um resfriado? – falou a raposa.
- Ai, eu não me lembro – falou a pequena e bela garota.
- Não se lembra? Que chato – falou triste – então venha e vamos tomar chá.
Mas ali não tinha como tomar chá, estava chovendo demais e além do mais, nem mesa tinha. Como iriam tomar chá. Mas contrariar uma raposa de armadura não deveria ser uma boa ideia, então não falou que não iria nem que iria. E quando foi falar, a raposa já tinha em sua direita um bule e servia chá quente em plena chuva na xicara em sua mão esquerda.
- Tome, isso com certeza vai lhe ajudar a lembrar.
- Mas como eu vou beber chá se não tem cadeira para eu sentar, nem uma mesa para eu apoiar a xícara.
- É mesmo – a raposa joga fora a xícara de chá e suspende no ar o bule que fica ali parado, derramando todo o chá – deixa-me ver como era mesmo que se fazia uma mesa... – e balançando os braços de forma mágica, a raposa foi dando forma as gotas de água que caiam da chuva, até se transformarem em uma mesa de madeira branca e com rosas pintadas nos pés. Em seguida a raposa fez cadeiras do vento, elas surgiram no lugar que elas deveriam ficar. – pois bem, agora podemos tomar chá – falou sorridente.

O bule ainda estava suspenso no ar, derramando o que parecia ser chá infinito. Lilith não tinha desculpas pelo menos para se sentar, mas um medo lhe atingiu.
- Eu tenho medo de tomar chá e que nós fiquemos tomando chá pela eternidade!
Isso pareceu ser uma bela desculpa, afinal de contas, o bule de chá já estava derramando chá por mais de cinco minutos e nem parecia que estava no fim. Então a raposa já sentada na cadeira e com as pernas cruzadas pensou e pensou. Depois pegou o bule de chá frio e começou a derramar chá diretamente em sua própria boca, ainda com cara de pensamento, pensou sobre a possibilidade de beber chá eternamente.
- Seria uma ótima ideia! – falou ainda bebendo chá diretamente da boca do bule - mas temo que Colore possa não gostar.
- Quem é Colore?
- É o nome deste bule. – e volta a beber chá.
Só depois de mais vinte minutos, foi que o estômago da raposa não tinha mais espaço para tanto chá, então percebeu que beber eternamente chá só seria possível se ela aumentasse infinitamente o tamanho de sua barriga.
 – Mas e então, o que você se lembra, já que você se lembra ate do dia em que nasceu?
- Eu não me lembro do dia em que nasci – falou aborrecida, pois Lilith não se lembrava de nada, mas sabia que não gostava quando as pessoas a faziam passar por mentirosa.
Então descalçou seu sapatinho vermelho e arremessou na cara da raposa vermelha que estava distraída tentando tomar mais chá.
– a única coisa que lembro é que meu nome é Lilith.
Para a surpresa da pequena garotinha, a raposa é mais rápida e mais esperta do que parece. A distância entre elas duas não era grande, o alvo parecia certo, mas parece também que se uma raposa usa armadura e armas, é porque ela é impressionante, e realmente é, pois ela pega o sapatinho vermelho em pleno ar, como se estivesse sido arremessado de uma distância de cinco metros.
-Nossa, não sabia que você e eu éramos tão próximas – os olhos da raposa brilharam, e ela se levanta - se você estivesse arremessado o outro sapatinho, eu teria achado que não éramos amigas, mas com essa incrível prova de confiança, você agora me confiou sua alma imortal!
- Não, por favor, me devolva! – gritou em meio ao choro.
- Agora você é minha eternamente. MUHAHAHAHA – percebam a gargalhada maligna – Nunca lhe devolverei o sapatinho - e falando isso devolve o sapatinho para Lilith.
– Agora eu não tenho o dia todo, vamos, aliás meu nome é Prolong.
Acontece que a raposa nem chegou perto de contar a verdade, pois todos nós sabemos que para controlar uma outra pessoa, nós precisamos saber os nomes delas, não os nomes que os pais dão, nem os nomes que outras pessoas dão, mas sim o nome que nasceu com você, felizmente muitas pessoas não sabem os nomes que nasceram com elas, pois pessoas comuns não tem a prudência necessária para possuir o próprio nome.

E o nome verdadeiro das pessoas nunca são proferidos, imagine só como seria confuso se todos saíssem por ai com seus nomes verdadeiros. Por sorte apenas poucas pessoas sabem seus nomes verdadeiros e menos ainda sabem descobrir o nome verdadeiro das outras pessoas. Por incrível que pareça, as duas continuaram conversando por muito mais tempo e viraram grandes amigas, afinal de contas, Prolong nunca contava uma mesma história e nunca falava uma mesma verdade. Nada haver com o fato de Prolong ter uma alabarda bastante afiada e uma armadura muito bonita com o brasão de sua casa nobre.

As duas amigas dão as mãos e caminham pela única estrada que existe naquela vastidão de grama verde, que apenas uma única grande e esplendorosa árvore existe, dizem que quando parar de chover, a árvore irá florescer. Nunca parou de chover. Prolong, que agora caminha sobre as duas patas e Lilith, caminham até o limite do sonhar, que é o horizonte. Dizem que ele nunca chega, pura mentira, ele chega sim, se você acreditar que ele vai ser alcançado, então ele vai ser alcançado, e como Prolong e Lilith acreditam no horizonte, então elas conseguem sair do sonhar.

O Horizonte é igual a uma tela de uma bela pintura que retrata o horizonte, mas que pode ser atravessada e conhecer o que existe por trás dele. No caso do Horizonte do Reino dos Sonhos, o que existe por trás dele é a fronteira com o mundo banal, e o que não permite que a banalidade não entre no sonhar é a massa eterna de sono, os sonhos abstratos e as possibilidades infinitas. A travessia é algo alegre e cheia de cores, mas a medida que se aproximam do mundo mortal, o vento frio da banalidade as beijam a face, fazendo o gosto do fel ser sentido em suas línguas e o sentimento em seus corpos são amargos, pois estão deixando para trás o sonhar.
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